Estamos diante de uma transformação silenciosa, mas estrutural, na maneira como o dinheiro é criado, distribuído e utilizado. Com o avanço das CBDCs (Central Bank Digital Currencies), moedas digitais emitidas por bancos centrais, surge um novo capítulo para a economia global.

O Brasil, com o futuro lançamento do Drex, está na vanguarda dessa revolução que promete remodelar o sistema financeiro e criar novas possibilidades para a política monetária, inclusão social, eficiência e competitividade.

Mas o que está realmente em jogo? Qual o impacto dessa mudança sobre bancos, fintechs e criptomoedas descentralizadas? Quais riscos os cidadãos enfrentam? E quais oportunidades esse novo cenário pode abrir? O Melhor Investimento responde neste conteúdo!

O que são CBDCs?

As CBDCs são versões digitais de moedas fiduciárias, como o real, o dólar ou o euro, emitidas e controladas pelos bancos centrais. Elas mantêm o mesmo valor e curso legal do papel-moeda tradicional, mas operam em ambiente 100% digital, utilizando tecnologias como blockchain, contratos inteligentes e redes distribuídas.

Diferente das criptomoedas descentralizadas, como o Bitcoin, que são emitidas por algoritmos e operam sem interferência estatal, as CBDCs são moedas estatais, reguladas e com valor garantido pelo Estado.

Como funcionam?

As CBDCs podem ser varejistas (retail), voltadas ao cidadão comum, ou atacadistas (wholesale), voltadas ao sistema financeiro. Elas podem ser distribuídas diretamente pelo Banco Central ou por meio de intermediários financeiros, como bancos e fintechs.

Na prática, o usuário terá uma carteira digital oficial, acessada via celular ou computador, com saldo em moeda digital. Esse saldo poderá ser usado para pagar contas, transferir valores, receber salários, entre outros.

O Drex: a CBDC brasileira

O Drex é o nome oficial da moeda digital brasileira, atualmente em fase de testes liderada pelo Banco Central. A previsão é que a versão final esteja disponível nos próximos anos, com integração ao ecossistema do Pix, Open Finance e identidade digital.

O nome Drex une as ideias de:

  • Digital
  • Real
  • Eletrônico
  • X, simbolizando modernidade, conexão e tecnologia.

Objetivos do Drex

O Drex é mais do que uma simples digitalização da moeda. Ele faz parte de um projeto maior de modernização da economia e traz objetivos como:

  • Fomentar a inovação financeira, por meio do uso de contratos inteligentes.
  • Ampliar o acesso ao crédito, com novas garantias digitais.
  • Reduzir custos operacionais no sistema bancário.
  • Aumentar a transparência e a rastreabilidade das transações financeiras.
  • Permitir políticas monetárias mais ágeis e precisas, com resposta quase imediata a estímulos ou restrições.

O Drex operará inicialmente em uma blockchain permissionada, ou seja, controlada por instituições autorizadas, garantindo escalabilidade, segurança e compliance.

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CBDCs
Imagem: Canva – @Victorburnside

Vantagens das moedas digitais estatais

As CBDCs prometem transformar o sistema financeiro em vários aspectos, oferecendo vantagens tanto para os governos quanto para cidadãos e empresas.

1. Inclusão financeira

Um dos grandes trunfos das CBDCs é a possibilidade de ampliar o acesso ao sistema financeiro, especialmente em países em desenvolvimento.

De acordo com dados do Banco Mundial, mais de 1,4 bilhão de pessoas no mundo ainda não possuem conta bancária, ou seja, estão fora do sistema formal e enfrentam dificuldades para guardar, movimentar ou receber dinheiro. No Brasil, esse contingente gira em torno de 34 milhões de pessoas.

As moedas digitais de banco central prometem mudar esse cenário. Por serem acessíveis via um simples celular com conexão à internet, elas eliminam a necessidade de abertura de conta em bancos tradicionais ou a dependência de agências físicas.

Na prática, qualquer cidadão com um smartphone pode criar uma carteira digital, receber pagamentos, realizar transferências ou mesmo acessar serviços financeiros básicos, sem precisar enfrentar burocracias ou comprovações que muitas vezes excluem os mais pobres.

Essa democratização do acesso ao dinheiro fortalece a cidadania econômica e permite que mais pessoas participem da economia formal, acessem crédito, poupem de forma segura e se protejam de práticas informais ou arriscadas.

2. Redução de custos e aumento de eficiência

Outro benefício claro das CBDCs é a eliminação de custos operacionais ligados a meios de pagamento tradicionais. Atualmente, no Brasil e em muitos outros países, transações como TED, DOC ou pagamento de boletos ainda envolvem tarifas bancárias ou custos indiretos para consumidores e empresas.

Com uma moeda digital oficial, esses pagamentos podem ser realizados diretamente entre partes, sem intermediários, taxas ou demora no processamento.

As transações são instantâneas, seguras e com custo praticamente zero. Isso é vantajoso não só para pessoas físicas, mas também para microempreendedores, pequenas empresas e prestadores de serviços, que muitas vezes enfrentam taxas altas para usar maquininhas de cartão ou plataformas financeiras terceirizadas.

Além disso, o uso de CBDCs pode reduzir fraudes e erros contábeis, pois os registros são feitos em redes digitais seguras e rastreáveis, diminuindo o risco de perdas financeiras e ampliando a confiança no sistema.

3. Modernização do sistema bancário

A introdução de uma moeda digital oficial força uma modernização ampla do sistema financeiro, que passa a se integrar com novas tecnologias digitais. Com as CBDCs, bancos e instituições financeiras são incentivados a oferecer serviços mais inovadores, digitais e alinhados com as novas demandas da população.

Além disso, tecnologias como tokenização de ativos (transformar bens como imóveis, ações ou contratos em tokens digitais), smart contracts (contratos automatizados que se executam sozinhos) e interoperabilidade entre sistemas financeiros passam a fazer parte do dia a dia.

Esse movimento estimula o surgimento de fintechs, startups financeiras e novos modelos de negócio, criando um ecossistema mais competitivo, eficiente e dinâmico, o que pode beneficiar diretamente o consumidor final com mais opções, melhores serviços e menores custos.

4. Política monetária em tempo real

Um dos maiores avanços que as CBDCs oferecem aos bancos centrais é a possibilidade de executar e monitorar a política monetária em tempo real, com precisão e rapidez muito superiores ao modelo atual.

Hoje, quando o Banco Central altera a taxa básica de juros (como a Selic no Brasil), os efeitos demoram semanas ou até meses para serem sentidos na economia real. Com uma CBDC, o banco central pode, por exemplo:

  • Estimular setores específicos da economia ao liberar crédito digital com vencimento ou direcionamento específico (ex: apenas para consumo em setores como turismo ou agricultura);
  • Aplicar taxas de juros personalizadas, de acordo com regiões, perfis de risco ou situações econômicas;
  • Aumentar ou reduzir a base monetária instantaneamente, acompanhando indicadores econômicos em tempo real.

Essa capacidade de resposta mais ágil fortalece o controle sobre inflação, consumo, crédito e crescimento econômico, oferecendo aos formuladores de políticas públicas uma ferramenta poderosa para enfrentar crises ou acelerar a recuperação econômica.

5. Controle contra lavagem de dinheiro e corrupção

A rastreabilidade das transações realizadas com uma moeda digital oficial é outro diferencial importante. Ao contrário do dinheiro em espécie, que é anônimo e difícil de rastrear, as CBDCs registram cada movimentação em redes digitais seguras e auditáveis, facilitando o monitoramento pelas autoridades fiscais e de combate ao crime.

Isso tem implicações diretas no combate à lavagem de dinheiro, corrupção, evasão fiscal, tráfico de drogas e financiamento ao terrorismo. Transações suspeitas podem ser automaticamente sinalizadas por algoritmos, e as investigações ganham mais agilidade com trilhas digitais claras.

Além disso, ao reduzir a circulação de dinheiro físico, as CBDCs dificultam práticas ilegais como o caixa 2, o pagamento de propinas em espécie e outras formas de ocultação de renda. Governos podem utilizar essa ferramenta para aumentar a arrecadação tributária, promover mais equidade e melhorar a governança pública.

Riscos e preocupações das CBDCs

Apesar dos benefícios, as CBDCs trazem riscos relevantes que precisam ser monitorados com cuidado:

1. Risco à privacidade

Uma das principais preocupações em torno das CBDCs é o impacto que podem ter sobre a privacidade individual.

Como todas as transações seriam digitais e registradas, o governo teria potencial acesso a dados extremamente detalhados sobre o comportamento financeiro de cada cidadão: como, quando, onde e em que cada pessoa gastou seu dinheiro.

Embora isso possa ajudar no combate ao crime, também levanta sérias discussões sobre vigilância estatal. Muitos temem que, em vez de proteger o cidadão, esse nível de monitoramento possa ser usado para restringir liberdades individuais e limitar a autonomia financeira das pessoas.

2. Ataques cibernéticos

Por dependerem de uma infraestrutura digital altamente centralizada e complexa, as CBDCs se tornam potenciais alvos de hackers e cibercriminosos, incluindo grupos com interesses políticos ou geopolíticos. Um ataque bem-sucedido a esse sistema poderia causar prejuízos em larga escala, desde interrupções em pagamentos até o vazamento de dados sensíveis.

Por isso, a implementação de uma moeda digital requer uma tecnologia extremamente robusta, segura e resistente a falhas, algo que exige investimentos bilionários e vigilância constante.

3. Exclusão digital

Apesar do potencial de promover a inclusão financeira, as CBDCs também apresentam um risco inverso: o da exclusão digital. Nem todos têm acesso à internet estável, smartphones ou conhecimentos básicos de tecnologia. Isso é particularmente verdadeiro em comunidades rurais, populações mais idosas ou em situações de vulnerabilidade social.

Sem medidas de inclusão tecnológica e educação digital, muitas pessoas podem acabar à margem desse novo sistema, justamente aquelas que mais precisam de apoio para se integrar à economia formal.

4. Risco de desintermediação bancária

Se os cidadãos puderem armazenar seu dinheiro diretamente em carteiras digitais do banco central, sem passar pelos bancos comerciais, isso pode causar uma fuga de depósitos dessas instituições.

Isso afetaria diretamente a capacidade dos bancos de oferecer empréstimos, investir em inovação e gerar lucro, impactando toda a cadeia do setor bancário. A consequência? Possível encarecimento do crédito, fechamento de agências e redução da concorrência no mercado financeiro tradicional.

5. Uso político ou abusivo

Outro ponto sensível é o risco de interferência política no uso das CBDCs. Em regimes autoritários, ou até mesmo em momentos de instabilidade econômica, o governo poderia usar sua autoridade sobre a moeda para impor restrições arbitrárias, como congelar saldos, limitar saques ou programar o dinheiro para ser usado apenas em determinados setores.

Isso acende um alerta sobre o possível uso da moeda como ferramenta de controle econômico e censura, reduzindo a liberdade dos cidadãos de usarem seus recursos como quiserem.

Impacto sobre bancos, fintechs e o mercado financeiro

A entrada das moedas digitais estatais altera profundamente o papel dos intermediários financeiros, provocando mudanças estruturais em seus modelos de negócio.

Bancos tradicionais

Os bancos precisarão se reinventar. Perdem o monopólio da custódia e intermediação de recursos, e ganham a necessidade de oferecer valor agregado, como:

  • Consultoria personalizada;
  • Serviços integrados com open finance;
  • Empréstimos com taxas personalizadas baseadas em dados.

A competição com o Banco Central pelo depósito à vista pode afetar a liquidez do sistema bancário, obrigando bancos a buscar novas formas de rentabilização.

Fintechs

As fintechs, por sua vez, podem se beneficiar se atuarem como parceiras do Banco Central na distribuição das carteiras digitais, aproveitando sua agilidade e inovação.

No entanto, correm o risco de serem ofuscadas por soluções diretas oferecidas pelo Estado, especialmente se não conseguirem manter experiências digitais superiores e customizadas.

E as criptomoedas descentralizadas?

As criptomoedas, como Bitcoin e Ethereum, não desaparecem com as CBDCs , mas o cenário muda.

Complementaridade e competição

CBDCs serão preferidas em transações cotidianas, por sua estabilidade e aceitação oficial. Já o Bitcoin continuará a ser visto como ativo de proteção ou reserva de valor, especialmente em economias instáveis.

Criptomoedas voltadas a contratos inteligentes e DeFi (finanças descentralizadas), como Ethereum, Solana e Avalanche, precisarão interagir com as CBDCs, seja integrando ou se diferenciando em casos de uso específicos.

Aumenta o debate sobre liberdade e descentralização

Com a ascensão das CBDCs, movimentos em prol de moedas privadas, anônimas e descentralizadas podem ganhar força, posicionando-se como resistência ao controle estatal.

Geopolítica das CBDCs: disputa de poder global com moedas digitais

A corrida pelas moedas digitais também é geopolítica. Países como China, Rússia, EUA e União Europeia estão em etapas diferentes de desenvolvimento.

China

A China está mais avançada com o yuan digital (e-CNY), usado em eventos como as Olimpíadas de Inverno de Pequim. O país pretende usá-lo em acordos internacionais, desafiando a supremacia do dólar no comércio exterior.

Estados Unidos

Os EUA estão mais cautelosos. O debate sobre o “Dólar Digital” é intenso no Congresso e há divisões sobre privacidade, regulação e impacto bancário. Mas o país sabe que, se não avançar, pode perder influência global.

Brasil

Com o Drex, o Brasil se destaca entre os emergentes. A infraestrutura do Pix, o ecossistema de open finance e o ambiente regulatório favorável posicionam o país como referência internacional na adoção de soluções financeiras digitais.

O que podemos esperar do futuro?

As CBDCs representam a maior transformação monetária desde a criação do dinheiro de papel. Elas são a resposta dos bancos centrais à digitalização da economia, à ascensão das criptomoedas e à demanda por eficiência e inclusão.

O Drex, no Brasil, é exemplo de uma abordagem equilibrada: com tecnologia, responsabilidade e foco em inovação. Mas, para que essa nova arquitetura financeira seja bem-sucedida, será preciso enfrentar os dilemas da privacidade, da liberdade, da equidade e da segurança.

Os próximos anos serão decisivos. Bancos, fintechs, governos e cidadãos precisarão se adaptar a uma nova lógica onde o dinheiro, além de meio de troca, será também um vetor de informação, rastreabilidade e controle.

A moeda do futuro já chegou. A pergunta agora é: como vamos usá-la e quem realmente vai controlá-la?

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Carolina Gandra

Jornalista do portal Melhor Investimento, especializada em criptomoedas, ações, tecnologia, mercado internacional e tendências financeiras. Transforma temas complexos como blockchain, inteligência artificial e estratégias de mercado em conteúdos acessíveis e envolventes. Com análises atuais e visão estratégica, ajuda leitores a decifrar o futuro dos investimentos e identificar oportunidades no mercado financeiro.