Você consegue traçar um paralelo entre Isaac Newton e uma bolha financeira? E se te contassem que essa conexão histórica realmente existe, e, mais que isso, é marcada por erros e até por uma ligação controversa com o comércio de pessoas escravizadas durante o século 17? 

Neste artigo, te contamos um pouco mais sobre a relação entre Newton, investimentos, o primeiro crash financeiro da história e até mesmo a extração de ouro no Brasil.

O valor dos equívocos

Todo grande investidor ou especialista do mercado financeiro, em algum momento, reflete sobre a importância de errar ao longo da jornada rumo ao sucesso profissional. Aqui no Melhor Investimento, inclusive, não é raro reforçarmos esse ponto em diversos artigos relacionados aos riscos inerentes à atividade do investidor.

Já não é exagero dizer que essa reflexão ajuda a construir uma trajetória profissional mais sólida e consciente, na medida em que o fracasso momentâneo não invalida o progresso, mas, muitas vezes, o impulsiona.

No entanto, saber dessa máxima não é o mesmo que compreendê-la plenamente, incorporando-a de fato. Na maioria das vezes, essa consciência só se solidifica com a experiência. Ainda assim, nada como um bom exemplo para elucidar tal concepção — especialmente quando envolve uma das mentes mais brilhantes e influentes da história.

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Quem foi Isaac Newton?

Certamente, Sir Isaac Newton é uma daquelas personalidades que dispensa apresentações. Ainda assim, embora muitos reconheçam seu nome, talvez poucos tenham refletido sobre o verdadeiro motivo dessa familiaridade. A explicação mais imediata remete, claro, aos tempos de escola, especialmente às aulas de ciências exatas. Mas vale ir além e explorar um pouco mais a figura central deste artigo.

Newton foi um intelectual inglês tão reconhecido historicamente, que seu nome já virou adjetivo para referir inteligência, assim como ocorre com o, também genial, Albert Einstein. Era uma mente multifacetada, cujas alcunhas e títulos percorrem uma lista longa: físico, matemático, cientista, astrônomo, teólogo, alquimista, e até cavaleiro da realeza entra nessa conta. 

Embora influente em diferentes áreas, é inegável que o maior destaque da obra de Newton recai sobre a física e a matemática. Muito além de formular as leis da gravidade, ele desenvolveu princípios fundamentais sobre a luz visível e estabeleceu as célebres leis do movimento — as tais 3 leis de Newton que dificilmente você nunca ouviu falar. 

Suas contribuições também se estenderam ao cálculo diferencial e integral, ferramentas matemáticas essenciais para diversas áreas do conhecimento. Em 1668, Newton ainda inovou ao construir o primeiro telescópio de reflexão. 

Mas o que nos importa aqui, é como o brilhante físico inglês estabelece conexões com investimentos malsucedidos. Vamos chegar lá. 

Bolha Financeira – o que é

O termo “bolha financeira” remonta justamente a um episódio histórico do qual Isaac Newton participou enquanto investidor: a crise da South Sea Company (SSC), ou Companhia dos Mares do Sul, ocorrida em 1720, na Inglaterra.

A empresa, que detinha o monopólio do comércio com as colônias espanholas, alimentou expectativas exageradas de retorno. As promessas sedutoras impulsionaram o preço das ações a patamares irreais, atraindo milhares de investidores — entre eles, ninguém menos que o já então famoso e importante físico inglês.

A metáfora é precisa. Assim como uma bolha de sabão, que se forma e cresce rapidamente até estourar, uma bolha financeira descreve um ciclo de valorização artificial de ativos, negociados por preços muito acima do seu valor real ou intrínseco.

O problema é que, quando a percepção inflada de valor se choca com a realidade econômica, a bolha estoura, derrubando preços de forma ainda mais abrupta e provocando perdas significativas para investidores que ficaram presos na euforia.

O que foi a bolha da South Sea Company

Quando se fala da bolha da South Sea Company, estamos nos referindo ao episódio, considerado por muitos o primeiro crash financeiro da história. A companhia britânica prometia lucros extraordinários com o comércio na América do Sul, mas a realidade seria muito diferente para os investidores

Isaac Newton e a bolha financeira
O Esquema do Mar do Sul: especuladores arruinados pelo colapso da SSC (Imagem: William Hogarth/Wkimedia Commons/CC).

Criação da South Sea Company e suas promessas

Fundada no início do século XVIII, a South Sea Company tinha o propósito claro de assumir uma dívida de 10 milhões de libras esterlinas contraída pela Coroa Britânica. Em troca, os investidores recebiam juros garantidos e o monopólio do comércio com as colônias espanholas na América do Sul. 

A ideia parecia promissora, especialmente porque o Reino Unido apoiara a Espanha durante a Guerra de Sucessão (1701-1714), o que levantava expectativas de acesso aos lucrativos portos coloniais sul-americanos. 

Para financiar essas operações, a companhia emitiu ações na Bolsa de Londres, prometendo retornos excepcionais. A expectativa era que o comércio de produtos manufaturados e, principalmente, o mercado transatlântico de escravizados gerasse lucros astronômicos.

O Tratado de Utrecht e as primeiras limitações

A realidade, porém, não correspondia às promessas. O Tratado de Utrecht, assinado em 1713 para encerrar a Guerra de Sucessão, garantiu alguns privilégios ao Reino Unido, mas muito aquém do que os investidores imaginavam. 

O documento permitia apenas um navio por ano para negociar com México, Peru e Chile, e estabelecia impostos sobre o comércio de escravizados. Mesmo assim, a confiança nas ações da empresa manteve-se elevada. 

Nos primeiros anos, a companhia quase não explorou o comércio com as colônias espanholas. A primeira expedição aconteceu apenas em 1717 e trouxe resultados modestos, insuficientes para justificar a expectativa de lucros astronômicos que alimentava o mercado financeiro britânico.

A escalada especulativa

A partir de 1718, a situação tomou proporções delirantes. Com o rei George I assumindo o cargo de governador da companhia, a credibilidade da South Sea Company aumentou significativamente. Administradores da empresa incentivavam conhecidos e amigos a investir, inflando artificialmente o preço das ações. 

A lógica era simples: mesmo sem lucros concretos, enquanto houvesse compradores dispostos a pagar mais, o valor das ações continuaria subindo.

Boatos sobre minas mexicanas cheias de ouro e sobre a riqueza das colônias espanholas estimularam ainda mais o entusiasmo. A companhia parecia destinada a criar os mercadores mais ricos do mundo, embora os resultados reais fossem completamente desalinhados com os preços praticados.

O colapso e suas consequências

O clímax do cenário que caminhava para o colapso veio em 1720, quando o Parlamento autorizou a South Sea Company a assumir a dívida nacional, que somava 32 milhões de libras, adquirida por 7,5 milhões. A ideia era usar a venda crescente de ações para pagar os juros da dívida ou quiçá oferecer ações aos credores no lugar de dinheiro.

A ideia que, hoje, se percebe completamente descabida tornou-se realidade. A procura por ações da companhia disparou, e muitos detentores de títulos do governo, incluindo nobres, acabaram se tornando acionistas. A participação de nomes da elite conferiu à empresa uma aura de credibilidade, atraindo ainda mais investidores para o mercado.

Certificado de ações da South Sea Company emitido em Londres em 22 de junho de 1720, pago a £ 4.000 ao preço de mercado de 400%. (Imagem: Júlia Ceccaldi/Wkimedia Commons/CC)

Em poucos meses, o preço das ações disparou de 175 libras (preço de negociação no começo de 1720) para 1.000 libras. E, claro, sem relação com os lucros reais da empresa, mas apenas pela demanda e especulação dos investidores. 

O colapso veio em setembro, arruinando muitos acionistas, inclusive Isaac Newton. O escândalo ainda resultaria em investigação parlamentar, revelando subornos e manipulação, e evidenciou a vulnerabilidade do mercado financeiro da época.

Isaac Newton e o mercado de investimentos

Antes de mais nada, vale destacar que Isaac Newton era tido como um investidor bem-sucedido, antes mesmo do seu evidente fracasso no histórico crash financeiro. Diferentes fontes obras que abordam sua trajetória evidenciam isso — entre elas a biografia Isaac Newton, escrita por James Gleick, finalista do Prêmio Pulitzer em 2004.

Mas afinal, onde Newton investia? 

Pouco se sabe sobre onde exatamente Newton investia, considerando que informações precisas sobre em quais ativos aplicava seu capital são escassas, ou de difícil acesso. 

Segundo o matemático Andrew Odlyzko, em artigo para a The Royal Society, as opções de investimento de longo prazo na Inglaterra da época se concentravam em títulos do governo e nas chamadas “três empresas monetárias”: Banco da Inglaterra, Companhia das Índias Orientais e South Sea Company.

Assim, segundo ele, “se os investimentos de Newton fossem, de alguma forma, comparáveis a um índice ponderado por capitalização de Londres, eles estariam concentrados nesses títulos”. 

Ainda assim, boa parte da historiografia registra e constata o episódio em que Newton perdeu muito dinheiro na crise de 1720. Sabe-se que ele raramente alterava seus investimentos de longo prazo, exceto no célebre caso envolvendo a South Sea Company.

Fracasso de Newton com a bolha financeira 

Conforme reportagem da BBC News de 2017, o já renomado cientista — que na época, aliás, também chefiava a Casa da Moeda britânica — chegou a obter bons lucros antes do colapso. Em fevereiro de 1720, comprou ações da SSC por cerca de 175 libras (equivalente a aproximadamente 24.170 libras atuais) e as vendeu em maio por quase o dobro. 

No entanto, seduzido pela contínua valorização e ao ver colegas acumulando ganhos, decidiu reinvestir antes do fatídico fenômeno que veio a deixar essa história famosa. O físico teria aplicado 700 libras — aproximadamente 120 mil libras em valores atuais. 

“Consigo calcular o movimento dos corpos celestes, mas não a loucura dos homens”

Isaac Newton e a bolha financeira
Sir Isaac Newton (Autor: Sir Godfrey Knelle/Fonte: Wkimedia Commons/CC)

A frase teria sido dita por Isaac Newton, após ter perdido a fortuna milionária com a bolha financeira da SSC. Por si só, a citação já nos leva a refletir que até mesmo grandes gênios estão sujeitos a fracassos no mundo dos investimentos.

A questão que pode ficar para alguns é: o que investidores de hoje podem aprender com o fracasso de Newton? 

Bom, a famosa história já é bastante utilizada para aqueles que justificam a necessidade de se aprofundar nos movimentos do mercado financeiro. Em essência, um crescimento como esse relatado na crise de 1720, costuma ser impulsionado por expectativas desproporcionais, otimismo exagerado e, muitas vezes, comportamento de manada. 

Pode-se dizer que além de um fenômeno econômico, uma bolha financeira é também um retrato do lado emocional do mercado, onde ganância e medo se alternam na condução das decisões. É nesse ponto que o caso de Newton se torna tão emblemático — afinal, até mesmo uma das mentes mais brilhantes da história sucumbiu às armadilhas desse ciclo.

Isaac Newton lucrou com a escravidão nas Américas? 

Vale aqui também considerar uma questão em foco que igualmente envolve o nome de Isaac Newton e seus investimentos, sobretudo no que diz respeito à forma como construiu sua fortuna — conexão que, aliás, passa pela própria história do Brasil.

Potencialmente você pode ter refletido ao longo deste conteúdo que a SSC, empresa na qual Newton aplicou recursos, buscava lucros por meio do comércio com as colônias espanholas, especialmente no mercado transatlântico de pessoas escravizadas. Essa ligação clara, inclusive, já foi apontada por seu biógrafo James Gleick.

“É amplamente conhecido que Newton investiu na South Sea Company, uma empresa que traficava escravos africanos. Embora ele tenha perdido dinheiro com esse investimento, isso, evidentemente, não serve como desculpa”, disse ele à Folha de S. Paulo. 

Mas essa conexão entre a fortuna acumulada pelo físico inglês, e o trabalho escravo legalizado em boa parte das Américas na sua época, vai além dos investimentos destinados à South Sea Company. 

Newton, a Casa da Moeda e o ouro do Brasil

Recentemente, o escritor e pesquisador Nat Dyer destacou a ligação entre o enriquecimento de Isaac Newton e o ouro extraído no Brasil, derivado, por sua vez, da mão de obra escrava. Segundo Dyer, o físico teria se beneficiado desse sistema enquanto ocupava o cargo de responsável pela Casa da Moeda britânica.

Em seu livro Ricardo’s Dream: How Economists Forgot the Real World and Led Us Astray (em tradução livre, O sonho de Ricardo: como os economistas esqueceram o mundo real e nos levaram para o caminho errado), Dyer explora a trajetória de David Ricardo, o corretor de ações mais abastado de seu tempo, mas também dedica atenção a aspectos pouco conhecidos da vida de Newton.

A obra enfatiza que Newton, durante cerca de 30 anos à frente da Casa da Moeda, supervisionou diretamente o fluxo de ouro que chegava ao Reino Unido. Nesse período, ele recebia uma taxa por cada moeda cunhada, muitas delas produzidas a partir de ouro extraído por pessoas escravizadas no Brasil.

Conforme as estimativas de Dyer, em 1702 Newton recebia um salário anual de cerca de 3.500 libras esterlinas. Embora esse valor corresponda a aproximadamente R$ 26 mil na conversão direta para a moeda atual, quando ajustado pela inflação equivale a cerca de 1,26 milhão de libras — mais de R$ 9,27 milhões nos dias de hoje.

Ele sabia, afinal, que parte de sua riqueza vinha da escravidão?

A conexão apontada por Dyer levanta uma questão central: qual teria sido a postura de Newton diante do trabalho escravo e da origem do ouro que sustentava a Coroa britânica? A historiografia atual mostra que grande parte do ouro extraído por Portugal era direcionada à Inglaterra, resultado de acordos comerciais entre as potências europeias. 

No entanto, permanece a dúvida: até que ponto essa realidade era evidente na época — e, em especial, para Newton? Em meio a esse aspecto, a argumentação Dyer recai sobre correspondências e escritos do próprio intelectual. 

“Não podemos obter ouro senão das Índias Ocidentais [América do Sul e Central] pertencentes à Espanha e a Portugal”, escreveu Newton, em 1701. Em outro escrito, cerca de 16 anos depois, o físico enviou uma carta ao Tesouro Nacional Britânico, comentando que o oeste da Inglaterra estava “cheio de ouro”, provindo dos portugueses. 

Segundo Dyer, é quase certo que Newton sabia da origem escravocrata do ouro cunhado, embora não exista prova documental direta disso. […] “Era óbvio para as pessoas da época que a riqueza inglesa se baseava no comércio colonial e no poder naval”, comentou o autor, em fala à Folha de São Paulo. 

Conclusão e ponderações

Cabe aqui também fazer algumas ponderações quanto essa ligação até então pouco comentada. Reconhecer essa conexão tem valor histórico, cultural e intelectual, mas é necessário cautela.

Embora exista essa conexão entre um dos mais pensadores da história humana, com um dos momentos mais sombrios dessa mesma história — cujos reflexos chegam até hoje — talvez não caiba alterar radicalmente a percepção sobre Newton com base em padrões contemporâneos, evitando, assim, julgamentos anacrônicos.

O próprio Dyer, principal expoente desse histórico, pondera ao dizer que “ele é um pensador que define uma época. Mas mesmo os maiores cientistas fazem parte de um contexto histórico e social”. 

De forma semelhante, Leonardo Marques, da Universidade Federal Fluminense, explica ao The Guardian que “essa relação entre escravidão e enriquecimento aparece em Locke, Davenant e outros mercantilistas da época. Todos os envolvidos com bancos e finanças na Grã-Bretanha do início do século 18 estavam, de certa forma, conectados ao que ocorria no Brasil”.

Essa perspectiva amplia a compreensão sobre como figuras históricas, mesmo as mais celebradas, interagiam com as estruturas financeiras, econômicas e sociais de seu tempo. Newton, portanto, não é apenas o cientista da gravitação universal, mas também um personagem inserido em um contexto histórico complexo, que conversa com ciência, investimentos, economia e sociedade.

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Lucas Machado

Redator e psicólogo com mais de 3 anos de experiência na produção de artigos e notícias sobre uma ampla gama de temas. Suas áreas de interesse e expertisse incluem previdência, seguros, direito sucessório e finanças, em geral. Atualmente, faz parte da equipe do Melhor Investimento, abordando uma variedade de tópicos relacionados ao mercado financeiro.