Liquidation Preference: o que é e cuidados para empreendedores e investidores
A cláusula de liquidation preference, cada vez mais comum nos contratos de investimento em venture capital, busca equilibrar a proteção do investidor e o incentivo ao crescimento das startups. Quando bem negociada, ela favorece a participação de mais investidores no ecossistema. Mas, como garantir que ela seja utilizada de forma equilibrada, em especial sob a perspectiva dos empreendedores?

No mercado financeiro, não há espaço para decisões sem ponderar a relação risco e retorno. Quando aplicamos essa máxima ao venture capital, encontramos diversos mecanismos contratuais que ajudam a mitigar os riscos do investimento em startups e alinham os interesses entre investidores e fundadores. De um lado, temos empresas de alta tecnologia em fase de crescimento; do outro, um mercado que exige dos investidores tanto apetite ao risco quanto estratégias bem estruturadas para proteger seu capital.
Um exemplo dessa dinâmica é a cláusula de liquidation preference, termo que, por não ter um equivalente difundido em português, optamos por manter em inglês. Essa cláusula se destaca como uma ferramenta importante para mitigar riscos e alinhar os interesses de ambas as partes. Porém, apesar de sua relevância, ela também levanta questões sobre seu impacto no crescimento das startups, buscando equilibrar a proteção do investidor com o incentivo aos fundadores.
Esse conceito técnico, muitas vezes, passa despercebido por quem não está imerso no cotidiano do venture capital. No entanto, ele desempenha um papel central no equilíbrio entre riscos e retornos, pois protege os investidores enquanto incentiva os empreendedores a impulsionarem o crescimento de suas empresas.
O que é a liquidation preference?
Pense no seguinte: você, como investidor, aporta seu capital numa startup. Acredita na visão dos fundadores, mas sabe que a jornada de uma empresa jovem é longa. Como garantir que, num evento de liquidez — seja uma venda, fusão ou até um IPO — você recupere ao menos o valor investido?
A cláusula de liquidation preference é uma resposta a esse questionamento, pois oferece proteção contra o downside risk — o risco de perda de valor de um ativo ou de que o retorno real seja inferior ao esperado.
Seu principal valor é assegurar que, caso a startup seja vendida por um valuation inferior ao valuation do investimento original, o investidor tenha prioridade no recebimento dos recursos. Esse cenário, embora pouco desejado, pode ocorrer, especialmente com startups que enfrentam dificuldades, mas que ainda assim conseguem atrair um comprador.
Exemplo prático: Ao investir R$ 20 milhões numa startup avaliada em R$100 milhões (20% de participação), com uma cláusula de 1x liquidation preference, se a empresa for vendida por R$75 milhões, você recupera integralmente seus R$20 milhões antes de qualquer divisão do restante. Ou seja, em vez de receber R$15 milhões, que seriam equivalentes aos 20% de participação na empresa, por causa do liquidation preference, o investidor recebe R$20 milhões.
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Por que essa cláusula é tão comum?
Ela protege o investidor em cenários nos quais o valor obtido no evento de liquidez não é suficiente para recompensar adequadamente o risco assumido. Sem esse tipo de proteção, o mercado de venture capital seria significativamente menos atrativo.
No Brasil, oferecer segurança aos investidores tem sido requisito para atrair capital e sustentar o ecossistema de startups. Pesquisas indicam que 92% dos contratos utilizam a preferência de liquidação de 1x, considerada o padrão — uma prevalência que reflete a necessidade de proteção no modelo de venture capital.
As modalidades de liquidation preference e como funcionam
Retomando nosso exemplo de R$20 milhões, vamos entender as diferentes formas de aplicar a liquidation preference:
- Non-Participating Preference: o investidor recupera seu capital investido (ou um múltiplo dele) antes de qualquer outro acionista. Exemplo: investindo R$20 milhões com uma cláusula de 1x, você recebe R$20 milhões antes de qualquer outro acionista, sem participar da divisão do restante.
- Participating Preference (Full Participation): aqui, você recupera o capital investido e ainda participa proporcionalmente do valor restante. Exemplo: após recuperar os R$20 milhões, você participa dos R$55 milhões restantes com 20% de equity, recebendo mais R$11 milhões, totalizando R$31 milhões.
- Capped Participation: variação que limita o retorno total do investidor a um teto específico, balanceando proteção e retorno. Exemplo: recuperados seus R$20 milhões, você pode receber um valor adicional até atingir um teto (previamente acordado num contrato) como 2x o capital investido, limitando seu total a R$40 milhões, com a divisão do restante entre os outros acionistas.
Um mecanismo de proteção, não de bloqueio
Embora seja uma ferramenta bastante comum, a liquidation preference deve ser usada com parcimônia. Preferências excessivamente agressivas — como múltiplos muito altos ou direitos acumulativos — podem desmotivar fundadores e afastar novos investidores.
O equilíbrio está em criar contratos que protejam o capital investido sem sufocar o crescimento da startup. Esse equilíbrio é um jogo jurídico e estratégico complexo, no qual o venture capital revela sua sofisticação.
Por que isso é especialmente relevante no Brasil?
Um dos maiores riscos associados à liquidation preference está no acúmulo de preferências ao longo de múltiplas rodadas de captação. Isso pode gerar conflitos entre investidores antigos e novos, dificultando negociações e impactando a operação da empresa. No entanto, esses desafios podem ser mitigados por meio de contratos bem desenhados.
O mercado brasileiro está amadurecendo nesse sentido, e isso não significa que devemos simplesmente replicar os modelos de mercados como o norte-americano. A construção de contratos inteligentes e adaptados à realidade brasileira é o que impulsionará o crescimento do ecossistema.
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