Estados Unidos x China: o que o atual cenário revela sobre o futuro da economia global? O cenário econômico internacional dos últimos anos tem sido marcado por uma crescente tensão entre as nações tidas como as maiores potências globais. Agora, esse embate ganha novos contornos com a escalada de uma guerra comercial em plena ebulição. 

Para muitos economistas, a atual evolução do conflito tarifário entre os dois países não se limita às relações bilaterais, na medida em que seus impactos, potencialmente, irão repercutir em todo o globo.  Afinal, juntas, as potências respondem por cerca de 43% da economia mundial, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). 

Mas como, exatamente, o restante do mundo pode ser afetado por essa disputa — especialmente economias emergentes como o Brasil? E até onde essa tensão pode chegar? Entenda o contexto do embate entre Pequim e a Casa Branca. 

EUA x China: início da escalada das tensões comerciais

Embora diversas questões históricas já tenham colocado Estados Unidos e China em lados opostos, é possível afirmar que as tensões que culminaram no cenário atual começaram a se intensificar em 2018, durante o primeiro mandato do, até então, empresário controverso Donald Trump

Na época, o governo republicano impôs tarifas sobre as importações chinesas, medidas que, em grande parte, foram mantidas posteriormente pela administração democrata de Joe Biden. Em setembro de 2018, Trump anunciou tarifas de 10% sobre US$ 200 bilhões em produtos chineses, ampliando uma escalada tarifária que já havia começado com sanções aplicadas em julho e agosto daquele ano.

Em retaliação, a China respondeu seis dias depois com a imposição de tarifas entre 5% e 10% sobre cerca de US$ 60 bilhões em produtos americanos. Trump, por sua vez, ameaçou elevar as tarifas para 25% até o fim de 2018 — promessa que acabou se concretizando em 2019. Embora um acordo tenha sido firmado entre as duas superpotências, a maior parte das tarifas permaneceu em vigor nos anos seguintes. 

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Nova fase da guerra comercial 

Trazendo para o contexto atual, o que se observa é um claro jogo de retaliações entre Washington e Pequim  — ainda mais acentuado do que foi visto há seis anos atrás. No atual ritmo, é cada vez mais plausível dizer que os dois países estão profundamente envolvidos em uma guerra comercial.

Em suma, esse tipo de conflito é caracterizado, sobretudo, pela imposição sucessiva de tarifas e outras barreiras, em um ciclo de ações e reações. Vamos a uma breve linha do tempo para entender o rápido avanço das tensões comerciais. 

Fev. de 2025 – Trump dá início ao novo pacote tarifário

Pouco após ser empossado pela segunda vez, no começo de fevereiro, Trump assinou ordens executivas para implementar seu pretendido pacote tarifário, o que incluiu a imposição de uma tarifa adicional de 10% sobre todas as importações chinesas.

Em resposta às tarifas impostas, a China adotou uma série de sanções. Entre as principais medidas, teve, é claro, tarifas retaliatórias: 15% sobre carvão e gás natural liquefeito (GNL), e 10% sobre petróleo bruto e maquinário agrícola norte-americano. Além disso, Pequim incluiu empresas dos EUA, como PVH Corp. e Illumina, em sua lista de “’entidades não confiáveis”.

Mar. de 2025 – Nova rodada de retaliações

O dia 4 de março foi marcado por novas investidas retaliatórias dos dois governos. De um lado, entraram em vigor medidas anunciadas por Donald Trump que elevaram de 10% para 20% as tarifas sobre importações chinesas. 

Do outro, poucos minutos depois, a Comissão Tarifária do Conselho de Estado da China respondeu com a imposição de tarifas de 15% sobre produtos como frango, trigo, milho e algodão provenientes dos EUA, além de taxas de 10% sobre itens como sorgo, soja, carnes suína e bovina, pescados, frutas, vegetais e laticínios — sanções que passaram a valer no dia 10 de março.

“Liberation Day”, tarifas recíprocas e avanço da guerra comercial

Guerra Comercial EUA x China
Tarifas recíprocas de Donald Trump (Imagem: Carta Capital/Reprodução)

Na quarta-feira do dia 2 de abril, Trump declarou o “Liberation Day”, como foi batizada a data em que o presidente anunciou seu pacote de “tarifas recíprocas”. Conforme o chefe de estado americano, a medida visou aplicar tarifas equivalentes a aproximadamente 50% dos valores cobrados por outros países sobre produtos dos Estados Unidos.

Nesse contexto, o governo estadunidense impôs uma tarifa mínima global de 10% sobre todas as importações do país, é a taxa aplicada ao Brasil. Outras nações receberam uma dose mais pesada, com tarifas específicas:

  • 20% para a União Europeia;
  • 31% para a Suíça;
  • 37% para Liechtenstein;
  • As tarifas sobre a China foram aumentadas para 34%

Como manda a atual tendência, Pequim anunciou uma tarifa adicional de 34% sobre todas as importações dos EUA, em mais uma retaliação no dia 7 de abril. Trump, por sua vez, ameaçou aumentar as tarifas sobre produtos chineses em mais 50% caso o governo Chinês não retirasse as tarifas retaliatórias até o dia seguinte. 

“Dito e feito”: tarifas ultrapassam a marca dos 100%

Como o governo chinês não recuou, presidente americano fez valer sua ameaça, e subiu a tarifa para 104% em 9 de abril. No mesmo dia, Pequim também manteve sua postura firme e, em linha com a promessa feita no início do chamado “tarifaço de Trump” — de que lutaria “até o fim” —, respondeu com um aumento das tarifas sobre produtos americanos, elevando-as para 84%. 

Junto a isso, a China exigiu que os Estados Unidos removam imediatamente as tarifas adicionais impostas.

“A China pede que os EUA corrijam imediatamente suas práticas erradas, cancelem todas as medidas tarifárias unilaterais contra a China e resolvam adequadamente as diferenças com a China por meio de um diálogo igualitário com base no respeito mútuo”, comunicou o governo chinês.

Seguindo a escalada da guerra comercial entre EUA e China, Trump anunciou nas redes sociais a elevação das tarifas sobre importações chinesas em 125%, citando, o que segundo ele foi uma “falta de respeito da China com os mercados mundiais”. 

Na mesma publicação, Trump anunciou repentinamente uma pausa de 90 dias nas tarifas para a maioria dos países, mantendo, no entanto, uma tarifa global de 10%. Segundo o presidente republicano, a decisão foi motivada pelo fato de que mais de 75 nações convocaram representantes dos Estados Unidos para dialogar.

 “Esses países não retaliaram de forma alguma contra os EUA”, justificou.

China não recua

Somadas às tarifas recíprocas de 20% aplicadas no início de abril, as exportações chinesas já enfrentam atualmente uma carga tarifária de até 145% sobre determinados produtos importados pelos Estados Unidos. Em meio à escalada, o presidente chinês, Xi Jinping, apelou à União Europeia para que se una a Pequim na oposição ao que classificou como “intimidação” por parte dos EUA. 

O Ministério das Finanças chinês, por sua vez, descreveu as ações da Casa Branca como um ato de “tirania comercial”.  Na quinta-feira, 10 de abril, a Embaixada da China em Washington ainda declarou: “não recuaremos”. 

No dia seguinte, em linha com esse posicionamento, o governo chinês respondeu ao último aumento tarifário elevando suas tarifas sobre produtos dos EUA para 125%. Apesar da retaliação, Pequim afirmou que não responderá a novos aumentos tarifários vindos de Washington. 

“Se os EUA seguirem impondo tarifas a bens chineses exportados para os EUA, a China vai ignorar”, afirmou a Comissão de Tarifas do Conselho de Estado chinês em comunicado oficial.

Alerta de risco de recessão global

Guerra Comercial EUA x China
Jinping e Trump, durante o primeiro mandato do republicano (Imagem: Carta Capital/Reprodução)

O atual contexto ganha contornos dramáticos, segundo analistas. “O risco de recessão é muito, muito maior agora do que há algumas semanas”, disse Adam Hetts, chefe global de multiativos da Janus Henderson. Tal perspectiva é compartilhada por Sidney Lima, da Ouro Preto Investimentos: “a retaliação chinesa eleva ainda mais o risco de recessão global”, afirmou o analista ao portal Metrópoles. 

Conforme divulgado pela mídia especializada, o cenário da sexta-feira, 11 de abril, foi marcado por instabilidade nos mercados globais. As bolsas internacionais operaram em queda, o dólar recuou e a venda de títulos do governo dos Estados Unidos se intensificou. Ao mesmo passo, o ouro — tradicional ativo de proteção em tempos de incerteza — atingiu recordes históricos de valorização.

Possibilidades de resolução diplomática

Na esteira da intensificação do conflito, ambas as nações já chegaram a mencionar a possibilidade de uma resolução não baseada em retaliações. Enquanto Donald Trump afirmou acreditar que os Estados Unidos poderiam chegar a um acordo com a China “em algo que seja muito bom para ambos os países”, o presidente Xi Jinping ressaltou que “não há vencedores em uma guerra comercial”.

Mas a título de resolução, Xi reforçou sua posição de que China e União Europeia devem “se opor conjuntamente a atos unilaterais de intimidação”, segundo divulgado pela agência estatal chinesa Xinhua.

Tarifas dos EUA ameaçam crescimento da UE

Autoridades europeias estimam que as tarifas dos EUA podem reduzir entre 0,5% e 1,0% do PIB da região. Como a projeção de crescimento da UE para o ano é de apenas 0,9%, segundo o Banco Central Europeu, o impacto pode empurrar o bloco para a recessão, de acordo com análise da agência de notícias Reuters. 

Como a guerra comercial pode afetar o Brasil?

As análises indicam que o Brasil tende a se beneficiar da guerra comercial entre EUA e China, já que enfrenta tarifas mais brandas — cerca de 10% — em comparação a grandes exportadores asiáticos. Adicionalmente, pode ganhar espaço nas exportações agrícolas com as retaliações chinesas aos produtos dos Estados Unidos.

Economia brasileira menos vulnerável que vizinhos

Na avaliação de Cristiano Oliveira, diretor de pesquisa econômica do banco Pine, o Brasil tende a sentir menos os efeitos negativos da guerra comercial em comparação com países como México, Colômbia, Equador e Chile. Isso se deve, em grande parte, ao fato de a economia brasileira ser mais fechada comercialmente, não precisando se alinhar à algum bloco. 

Oliveira vê com otimismo o cenário de médio prazo. Ele aponta que o ambiente global, combinado com uma agricultura em crescimento, deve impulsionar o PIB brasileiro acima das expectativas. A projeção do banco Pine para o crescimento da economia em 2025 subiu de 1,9% para 2,1%.

Agronegócio em alta sustenta projeções

O desempenho do agronegócio é um dos principais motores desse crescimento. A estimativa atual é de uma alta de 8,5% no setor, com um avanço de 14,6% apenas no primeiro trimestre do ano. 

“Há um crescimento consistente na área plantada e na produtividade agrícola em praticamente todos os estados, com exceção do Rio Grande do Sul”, afirma Oliveira.

Inflação pode pressionar no curto prazo

O economista alerta para um aumento na absorção doméstica — indicador econômico que mede o consumo interno —, que também foi revisado para cima, passando de 1,5% para 2,1%. Isso pode pressionar a inflação nos próximos meses. A projeção do Pine para o IPCA em 2025 está em 5,10%. 

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Lucas Machado

Redator e psicólogo com mais de 3 anos de experiência na produção de artigos e notícias sobre uma ampla gama de temas. Suas áreas de interesse e expertisse incluem previdência, seguros, direito sucessório e finanças, em geral. Atualmente, faz parte da equipe do Melhor Investimento, abordando uma variedade de tópicos relacionados ao mercado financeiro.