Taxação dos super ricos: entenda como funciona
Entre os temas mais discutidos na atualidade, tanto no âmbito econômico como no social, está a taxação dos super ricos. O tópico surge em meio a debates complexos, destacando-se especialmente aqueles que tratam da desigualdade de renda, uma realidade global que se intensifica a cada ano. Conforme dados do Relatório Mundial da Desigualdade de 2022, […]

Entre os temas mais discutidos na atualidade, tanto no âmbito econômico como no social, está a taxação dos super ricos. O tópico surge em meio a debates complexos, destacando-se especialmente aqueles que tratam da desigualdade de renda, uma realidade global que se intensifica a cada ano.
Conforme dados do Relatório Mundial da Desigualdade de 2022, os 10% mais ricos do planeta concentram em suas mãos 52% da renda global, enquanto os 50% mais pobres detêm apenas 8,5%.
Em termos de riqueza, a discrepância aumenta ainda mais, com a metade mais pobre da população controlando apenas 2% da fortuna mundial, enquanto os 10% mais abastados ostentam 76% desse montante.
É nesse cenário em que surgem inúmeras discussões sobre como se pode deixar essa balança mais equilibrada. Dentre as medidas mais debatidas, muito se fala sobre a taxação dos super ricos ou de grandes fortunas, assunto central deste artigo.
Como podemos definir “super ricos”
Essencialmente, não existe uma definição universalmente aceita para o termo “super ricos”, pois o limiar para ser considerado parte deste grupo varia conforme o contexto e com os indicadores utilizados.
No entanto, pode-se analisar diferentes perspectivas para ter uma compreensão mais abrangente dessa camada populacional. Uma das formas mais comuns de designar quem é super rico, é com base na sua proporção dentro da população. Como exemplificado anteriormente, os 10% mais ricos da população global detém mais da metade da riqueza mundial.
“Os grandes estudos têm trabalhado com esse recorte do milésimo mais rico da população, ou seja, qual é a renda média de quem está no 0,1% no topo”, explica o economista e pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Pedro Humberto Carvalho Junior
Como veremos mais adiante, há uma disparidade de renda significativa até mesmo entre os mais ricos. A análise mencionada por Carvalho, que foca no milésimo percentil, é amplamente utilizada para ilustrar que, mesmo entre os mais abastados, existe uma elite ainda mais restrita e privilegiada, parcela da população a qual pode ser verdadeiramente considerada “super rica”.
O que é ser rico ou super rico no Brasil?
No Brasil, ser considerado super rico vai muito além de possuir alguns luxos, como uma casa de veraneio ou o carro do ano, por exemplo, muito embora essas famílias já estejam acima da média de renda do brasileiro.
Estima-se que um quarto da população brasileira (algo equivalente a 52,7 milhões de pessoas) vive em situação de pobreza ou extrema pobreza, de acordo com dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em suma, ser um super-rico na realidade brasileira, significa estar no topo mais restrito da pirâmide de renda, seria estar entre os mais afortunados dos 0,1% mais ricos do país.
Neste âmbito, conforme dados da Receita Federal compilados por Carvalho, os 0,1% mais ricos do país possuem renda pessoal em torno de R$ 3,7 milhões ao ano (cerca de R$ 308 mil por mês). Os 10% mais afortunados desse restritíssimo grupo (0,01% da população), representam a elite da elite, com rendimentos que podem chegar a R$ 20 milhões anuais (cerca de R$ 1,6 milhão por mês).
Vale lembrar que os números tratados até então dizem respeito à renda. Quando se trata de riqueza, a disparidade entre os mais ricos também fica evidente. De acordo com um estudo da FGV Social divulgado no último ano, o patrimônio individual dos bilionários brasileiros é distribuído da seguinte maneira:
Recorte percentual da população | Patrimônio |
1% mais rica | R$ 4,6 milhões |
0,1% mais rica | R$ 26,2 milhões |
0,01% mais rica | R$ 151,5 milhões |
Os números alcançados pelos pesquisadores do FGV Social considerou dados do Imposto de Renda 2021.
Justificativas para a taxação
Em geral, as justificativas para a implementação de uma medida que taxe grandes fortunas estão frequentemente ligadas a redução da exacerbada desigualdade social. Entre os argumentos mais recorrentes a favor da taxação dos super ricos, está a potencial de arrecadação de altíssimas quantias em recursos que, por sua vez, poderiam ser redirecionados para iniciativas de interesse público.
Conforme cálculos do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made/USP), a criação de um imposto de 2% sobre a riqueza dos 0,2% mais ricos do país, seria capaz de gerar um R$ 41,9 bilhões por ano.
Segundo análises reportadas pelo BBC News, essa quantia bilionária seria suficiente para atender diversas necessidades do setor público, como: triplicar o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, aumentar em mais de 10 vezes o orçamento do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas.
Além disso, o montante seria equivalente a 25% do total investido no Bolsa Família em 2023, ano em que o programa atingiu um recorde em volume de recursos. Segundo o estudo da Made/USP, esse imposto afetaria 267.460 pessoas no Brasil, todas com riqueza declarada superior a R$ 13 milhões.
Modelos de taxação em super ricos
Imposto sobre a riqueza
Esse imposto incide diretamente sobre o patrimônio líquido de indivíduos. Ele é calculado com base na soma de ativos (como propriedades, investimentos, joias, etc.) menos passivos (como dívidas). A taxa pode variar conforme o valor total do patrimônio.
Imposto sobre heranças e doações
Esse imposto é aplicado quando alguém herda verdadeiras fortunas em bens ou doações. Em suma, o tributo visa evitar a concentração excessiva de riqueza ao longo das gerações.
No Brasil, até então, o imposto sobre herança, também conhecido como Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), possui uma alíquota máxima nacional de 8%, conforme estabelecido pelo Senado Federal. As alíquotas variam entre os estados, todavia, nenhuma pode ultrapassa o teto estipulado.
Imposto sobre ganhos de capital
Imposto que incide sobre o lucro obtido com a venda de ativos. Sua aplicação é mais comum em negociações envolvendo ações, imóveis, obras de arte, metais preciosos, dentre outros bens de alto valor
Em termos simples, este tipo de tributação ocorre quando uma pessoa vende um bem por um valor maior do que o preço de compra.
Imposto sobre rendimentos elevados
Esse imposto é aplicado a indivíduos com altíssimos rendimentos anuais, em comparação com o restante da população. Em síntese, seu intuito é reduzir a desigualdade e direcionar recursos para iniciativas e serviços públicos.
Referências globais de taxação de grandes fortunas
Diversos países possuem um histórico de taxação dos super-ricos. Nações como França e Colômbia são exemplos que já implementaram tais medidas de forma duradoura, mas desistiram recentemente.
Entretanto, em outras partes do mundo, essas taxações ainda estão em vigor. A seguir, você confere alguns dos exemplos mais notáveis:
Espanha
Na Espanha, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) é aplicado de forma rigorosa e centralizada pelo governo federal. Com uma faixa de isenção de 700 mil Euros, o imposto é aplicado com alíquotas progressivas que variam entre 0,5% e 2,5%, de acordo com a faixa de riqueza do contribuinte.
A tributação conjunta do IGF com o Imposto de Renda (IR) é limitada a 60% da renda total do contribuinte.
Noruega e Suíça
Ao contrário da Espanha, onde o imposto sobre a riqueza se concentra nas mãos do governo federal, na Noruega e na Suíça, a responsabilidade pela sua cobrança reside nos governos regionais. Em ambos os países, apenas pessoas físicas são tributadas pelo imposto sobre a riqueza.
A Noruega adota um sistema de alíquotas divididas, com 0,7% direcionados às comunas (divisões regionais) e 0,15% destinados ao governo central. Existe um limite de isenção nacional de 1,48 milhão de coroas norueguesas.
Quanto à Suíça, o país se diferencia por sua estrutura progressiva de alíquotas, variando entre 0,3% e 1%. O limite de isenção na Suíça é de 180 mil euros.
Críticas e argumentos contra a taxação de grandes fortunas
Os argumentos contra a implementação do imposto sobre grandes fortunas geralmente se concentram em aspectos econômicos, conforme abordado pelos economistas Maílson da Nóbrega. Para o economista, trata-se de uma “incidência complexa, difícil de caracterizar e muito caro para administrar”.
Além dos problemas relacionados à gestão, a implementação do imposto pode gerar desconfiança entre os contribuintes mais ricos, criando um clima de incerteza sobre futuras medidas que o Estado possa tomar em relação ao patrimônio privado.
O ex-ministro da Fazenda argumenta que o imposto configura uma forma de dupla tributação, pois incide sobre o patrimônio já tributado anteriormente na forma de renda. Essa sobrecarga fiscal pode incentivar a fuga de capitais para países com regimes tributários mais favoráveis.
Nóbrega reforça seus argumentos, ao dizer que muitos países que já chegaram a adotar o IGF, entretanto, depois desistiram da empreitada. “Perto de vinte países já criaram o imposto e dele desistiram à medida que constataram seus inúmeros defeitos”, argumenta o economista.
Impactos econômicos e sociais
A taxação global de super-ricos é um tópico relevante e tem sido discutida em fóruns internacionais. Um estudo encomendado pelo Brasil para o G20 sugere que a criação de um imposto mínimo sobre a riqueza dos super-ricos poderia gerar receitas extraordinárias de até US$ 688 bilhões anualmente para as nações. A cifra considera uma tributação de 3% sobre o patrimônio dos bilionários.
O economista francês Gabriel Zucman, autor do estudo, estima que a taxação afetaria cerca de 3 mil indivíduos em todo o mundo, com potencial de arrecadar cerca de US$ 250 bilhões extras por ano, considerando a aplicação da taxa de 2%. De todo modo. A tributação poderia variar entre 1% e 3%, dependendo das negociações e do alinhamento político entre as nações.
A iniciativa visa combater desafios globais, como a fome, a desigualdade e as mudanças climáticas, e tem ganhado adesão de países como o Brasil, Espanha, Bélgica, África do Sul, Colômbia e União Africana. A discussão sobre a taxação dos super-ricos continua, e é importante acompanhar seu desenvolvimento para entender como ela pode impactar a economia global.
Perspectivas e Futuro sobre a taxação de super ricos no Brasil
Em dezembro do último ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que cria a cobrança de impostos sobre fundos de investimento exclusivos, comumente utilizados por pessoas de altíssima renda para aplicar seu dinheiro. Ao que tudo indica, a medida tem contribuído significativamente para os cofres públicos, com a expectativa de melhorar ainda mais.
A nova lei, que faz parte de um pacote de reformas fiscais proposto pelo Ministério da Fazenda para equilibrar as contas públicas, também se estende aos ganhos obtidos com investimentos offshore. A prática comum entre os mais ricos, consiste na manutenção do dinheiro em outros países (comumente aqueles vistos como paraísos fiscais) para aproveitar de uma tributação mais favorável.
Segundo dados do Banco Central, cerca de 20 mil brasileiros mantêm recursos no exterior, e 75% desse grupo possuem investimentos de aproximadamente R$ 5 milhões.
Desde sua implementação até fevereiro de 2024, a lei já rendeu R$ 12 bilhões aos cofres federais, segundo a Receita Federal. A arrecadação deve aumentar ainda mais com o pagamento de cotas de rendimentos dos fundos em maio e novembro.
O Orçamento de 2024 estabelece o objetivo do governo de alcançar o equilíbrio entre receitas e despesas. A Lei do Novo Arcabouço Fiscal (NAF), contudo, concede uma margem de manobra de até 0,25% do PIB, tanto para cima quanto para baixo, em relação à meta.
Levando em conta essa flexibilidade, o governo brasileiro se encontra dentro da meta do déficit zero. Segundo o Ministério do Planejamento, o governo poderia ter gasto até R$ 28,8 bilhões a mais do que arrecadou sem comprometer o objetivo fiscal.
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