Regulamentação de Fintechs no Brasil: o que vai mudar em 2025
Um dia após a operação Carbono Oculto, a Receita Federal anunciou novas regulamentações para as fintechs brasileiras. Veja o que muda.
Imagem: Pillar Pedreira/Agência Senado/Reprodução
Nos últimos meses, muito se discute sobre os desafios legais em torno da regulamentação de fintechs no Brasil. O tema ganhou novos contornos após operações de combate ao crime organizado revelarem indícios de utilização dessas empresas na lavagem de dinheiro.
Recentemente, a Receita Federal publicou recentemente uma instrução normativa que estende às fintechs as mesmas regras de monitoramento já aplicadas aos bancos. A medida foi anunciada um dia após as operações Carbono Oculto, Quasar e Tank, que, segundo o Fisco, evidenciam a participação dessas instituições em esquemas criminosos. Mas, o que, de fato, muda com as novas exigências?
Como o Banco Central reconhece as fintechs?
As fintechs são a união entre tecnologia e finanças — daí o termo financial technology. O objetivo é simples: criar soluções financeiras inovadoras, digitais e menos burocráticas.
No Brasil, esse movimento ganhou força nos últimos 15 anos, trazendo mais competição e alternativas ao mercado dominado pelos bancos tradicionais. Para organizar esse ecossistema, o Banco Central (Bacen) estabeleceu regras específicas, que dividem as fintechs em categorias de acordo com a atividade que exercem.
Principais categorias de fintechs no Brasil
No âmbito do crédito, duas modalidades se destacam e possuem reconhecimento legal:
- SCD – Sociedade de Crédito Direto
- Atua de forma totalmente digital.
- Concede crédito utilizando recursos próprios.
- Não pode captar dinheiro de terceiros ou investidores.
- Serviços oferecidos: empréstimos, financiamentos e soluções de crédito em geral.
- Vantagem: processos mais ágeis e sem a burocracia dos bancos tradicionais.
- SEP – Sociedade de Empréstimo entre Pessoas
- Funciona como uma ponte entre quem deseja emprestar dinheiro (pessoas físicas ou jurídicas) e quem precisa de crédito.
- Capta recursos de terceiros para viabilizar os empréstimos.
- Exemplo prático: plataformas de peer-to-peer lending.
Ainda há as ditas Instituições de Pagamento (IPs). Diferente das demais, elas não oferecem crédito. Seu foco, entre outros pontos, é possibilitar: compras e vendas digitais, transferências de valores e movimentação de recursos eletrônicos.
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O que estabelece as novas regras da Receita Federal?
A instrução normativa RFB 2.278/25 publicada na sexta-feira do dia 28 de agosto deste ano, amplia as obrigações acessórias para fintechs e instituições de pagamento. Diante da publicação das novas regras, essas empresas passam a seguir as mesmas regras já aplicadas às instituições financeiras tradicionais.
Conforme informado no primeiro artigo do documento, a medida está voltada para “o combate aos crimes contra a ordem tributária, inclusive aqueles relacionados ao crime organizado, em especial a lavagem ou ocultação de dinheiro e fraudes”.
e-Financeira passa a abranger fintechs
Com a nova norma, fintechs e instituições de pagamento passam a se enquadrar na e-Financeira — obrigação criada há dez anos, que exige o envio periódico de informações sobre saldos e movimentações de contas ao Fisco.
Até então, a exigência valia apenas para bancos e demais instituições cadastradas no Sistema Financeiro Nacional (SFN). Agora, fintechs também estão incluídas no escopo regulatório.
Quais informações devem ser prestadas
As empresas terão que enviar à Receita Federal dados de clientes como:
- CPF ou CNPJ;
- Número de Identificação Financeira (NIF);
- Informações sobre contas no Brasil e contas internacionais.
A regra atinge tanto pessoas físicas quanto jurídicas. Segundo a advogada Camila Bacellar, do escritório Cescon Barrieu, a e-Financeira estabelece limites específicos:
- Pessoa física (PF): obrigatoriedade de informar cada conta com saldo igual ou superior a R$ 2 mil;
- Pessoa jurídica (PJ): obrigatoriedade de informar contas com saldo igual ou superior a R$ 6 mil.
Transparência e controle, não novos tributos
A e-Financeira não é um novo imposto, mas um “mecanismo de cruzamento de dados e controle”. É o que explica Wagner Moraes, CEO da A&S Partners e especialista em fintechs.
“Ela já existe há anos e substituiu outras declarações antigas, com o objetivo de dar mais visibilidade à Receita sobre o que acontece no sistema financeiro”, afirma.
Em suma, o sistema reúne informações sobre cadastro, movimentações, saldos e aplicações, permitindo que o Fisco acompanhe a origem e o destino dos recursos. J
Júlio César Soares, especialista em Direito Tributário e sócio da Advocacia Dias de Souza, reforça o real intuito das novas normas do Fisco. “Não se trata de tributar o Pix ou taxar operações do dia a dia, mas de reforçar a transparência e fechar uma lacuna regulatória explorada em esquemas de lavagem de dinheiro”.
Contexto da regulamentação das fintechs: Histórico de fake news
A confusão em torno da e-Financeira ganhou atenção após a publicação de uma instrução normativa no início do ano, que buscava maior transparência das fintechs. Essa norma gerou a veiculação de informações falsas, com destaque para o vídeo viral do deputado Nikolas Ferreira, que alegava uma “quebra de sigilo mascarado de transparência”.
Na realidade, as informações solicitadas eram limitadas, e o governo não teria acesso às identidades dos usuários. A Receita reafirma que o principal objetivo é fechar uma “lacuna regulatória”.
“Fintechs têm sido utilizadas para lavagem de dinheiro nas principais operações contra o crime organizado, porque há um vácuo regulamentar, já que elas não têm as mesmas obrigações de transparência e de fornecimento de informações a que se submetem todas as instituições financeiras do Brasil há mais de 20 anos”, esclareceu o fisco em nota divulgada.
No mesmo comunicado, a Receita enfatizou que a nova regulamentação “não é uma republicação da antiga norma”, justamente para evitar a propagação de Fake News.
Quais os possíveis efeitos da nova regulamentação das fintechs?
De acordo com Soares, as mudanças para clientes de corretoras e investidores são mínimas. A única diferença é que essas empresas agora devem enviar informações à Receita Federal por meio da e-Financeira, um processo que os bancos já realizam há mais de 20 anos.
Alinhado a essa perspectiva, Moraes explica que, “na prática, o que mudou foi a formalização de algo que o mercado já vinha fazendo: agora, as fintechs passam a ser oficialmente tratadas pela Receita como instituições financeiras”.
Apesar disso, a nova obrigatoriedade pode elevar os custos de compliance para as empresas, o que, por sua vez, pode diminuir sua vantagem competitiva. Esse aumento nos custos administrativos se dá pela necessidade de relatórios legais mais frequentes à Receita Federal.
“Quanto ao repasse do custo (ao cliente), é bem provável, mas não de forma automática. Por se tratar de um mercado extremamente competitivo, as fintechs podem absorver uma parte dos custos para manter-se de forma competitiva no mercado, pontua o advogado Gabriel Abreu, do CBA Advogados.
Retroatividade e fiscalização reforçada
O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, esclareceu que a obrigação de prestar informações será retroativa a janeiro deste ano. A medida garante que informações de movimentações financeiras das fintechs sejam reportadas desde o primeiro semestre, corrigindo lacunas que permitiam abusos anteriormente.
Além disso, Barreirinhas defende a limitação de depósitos em dinheiro vivo em contas-bolsão, classificando-as como um tipo de “paraíso fiscal”, em que os beneficiários reais permaneciam ocultos.
Novas regras do Banco Central
Uma semana após a instrução normativa da Receita, o Banco Central anunciou medidas adicionais para regulamentar fintechs de forma mais rígida.
Entre as mudanças, destaca-se a antecipação em três anos do cronograma de inclusão dessas instituições no arcabouço regulatório, estabelecendo um prazo até o final do próximo ano para iniciar o processo de autorização de funcionamento.
Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central, reforçou que as fintechs são vítimas do crime organizado, e destacou a importância da inovação tecnológica que essas instituições proporcionam ao Brasil. Ele ressaltou que, apesar da inclusão financeira facilitada pelas fintechs, o ambiente era explorado por criminosos, exigindo medidas de proteção mais robustas.
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