É verdade que a Receita Federal monitora até nossas redes sociais?
Neste artigo, exploramos como o Fisco utiliza tecnologias de inteligência artificial para monitorar contribuintes e evitar a sonegação fiscal, levantando questões sobre privacidade e a eficácia desse monitoramento.

O noticiário dos últimos dias foi tomado integralmente pelo tema mais falado em todos veículos de mídia no Brasil: a possível taxação do PIX. De fato, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa RFB nº 2.219/24, onde obrigava as instituições financeiras, bancos digitais e aplicativos de pagamento a informá-la sobre as movimentações financeiras de contribuintes.
A nova regra determinava que as instituições informassem semestralmente à Receita Federal as transações em PIX e cartão de crédito acima de R$ 5.000,00 para pessoas físicas e R$ 15.000,00 para empresas.
Porém, o órgão fiscalizador afirmou que essa medida não teria o intuito de taxar mais contribuintes, somente evitar sonegações e outros crimes ao sistema financeiro.
Diante de toda a repercussão nacional negativa, o ministro da Fazenda Fernando Haddad juntamente com o Secretário da Receita Federal Robinson Barreirinhas, revogaram a medida que deixou de ter efeito imediato, alegando que as “fake news” de taxação do PIX contribuíram para a decisão.
Mas afinal, a quais dados nossos a Receita Federal do Brasil tem acesso? Além disso, é verdade que o Fisco monitora até mesmo nossas redes sociais?
Vamos às respostas, fornecidas diretamente pelas autoridades e a própria RFB (Receita Federal do Brasil).
O que é a Receita Federal?
Em síntese, a Receita Federal do Brasil, também denominada informalmente por “Fisco”, é uma autarquia vinculada e subordinada ao Ministério da Fazenda, do Governo Federal. Possui diversas atribuições, dentre os principais:
- Fiscalização dos contribuintes;
- Administração dos tributos do comércio interno e exterior;
- Cobrança administrativa de tributos;
- Repressão ao contrabando e descaminho;
- Julgamento de processos administrativos em 1ª instância da tributos da União;
- Formular e gerir a política de informações econômicas e fiscais;
- Promover a educação fiscal entre a população para a garantia do exercício da cidadania”.
Como ficou evidente, o PIX não seria taxado em qualquer hipótese pela Receita Federal, porque ela não possui essa competência. De acordo com o artigo 154 da Constituição Federal, somente a União pode criar novos impostos ou impostos extraordinários. Os demais órgãos fiscalizadores, neste caso específico a Receita Federal, só possuem autorização para cobrá-los.
Porém o questionamento que mais ouvimos quando falamos do assunto Fisco é o seguinte: se a Receita quiser me cobrar tributos, quais dados meus ela dispõe?
A resposta é um pouco mais ampla, mas já podemos adiantar o seguinte: A Receita tem acesso à absolutamente todos nossos dados e movimentações financeiras, bens pessoais e monitora até mesmo nossa vida pessoal.
A partir de quais valores as instituições financeiras reportam à Receita Federal?
A Receita Federal recebe informações consolidadas dos bancos sobre as movimentações financeiras dos contribuintes desde 2003, quando foi instituída a Decred. De acordo com a Receita, “a evolução tecnológica e as novas práticas comerciais” trouxeram a necessidade de atualizar a norma, para alcançar outros tipos de operação financeira. A Decred foi substituída pela plataforma “e-Financeira”, criada em 2015.
Desde 2015 então, as Instituições Financeiras (bancos, cooperativas, fintechs) reportam a Receita Federal as movimentações seguintes:
- Maiores que R$ 2.000,00 por mês para pessoas físicas;
- Maiores que R$ 6.000,00 por mês para pessoas jurídicas.
- Movimentações financeiras em espécie acima de R$ 50.000,00 são informadas à Receita Federal e ao COAF (conselho de Controle de Atividades Financeiras), por se tratarem de movimentações suspeitas e atípicas.
Dados dos contribuintes que a Receita Federal tem acesso
Em relação aos dados dos contribuintes disponíveis para a Receita Federal para cobrança de tributos e combate à sonegação fiscal são os seguintes:
- A declaração pré-preenchida do Imposto de Renda, com todos os dados;
- Número e saldo das suas contas bancárias e de corretoras;
- Movimentações feitas com as suas contas;
- Tudo o que você recebeu do seu trabalho, como salário, férias, décimo terceiro, participação em lucro (desde que esse trabalho seja com carteira assinada);
- Suas compras realizadas em transferências, PIX ou cartão de crédito e débito;
- Imóveis adquiridos e registrados (Informados anualmente pelos cartórios);
- Compra e venda de veículos, barcos e aviões;
- Local, data e horário que você realiza compras ou utiliza serviços;
- Valores retirados ou depositados em bancos;
- Valores dos atendimentos médicos e procedimentos realizados;
- Dívidas e parcelamentos vigentes.
Nossa vida pessoal é monitorada pelo Fisco?
A resposta técnica é sim, com a finalidade de colher dados de postagens em redes sociais e fazer cruzamentos com os dados declarados pelo contribuinte. Dessa forma, a Receita consegue identificar se o estilo de vida e bens do cidadão são condizentes com seus ganhos declarados.
Vamos ao trecho retirado diretamente do site da Receita Federal em comunicado do dia 14/03/2017:
“A Receita Federal utiliza informações de redes sociais de forma rotineira na análise e seleção de contribuintes para fins de fiscalização. Na execução da fiscalização é muito comum que o Auditor-Fiscal analise as redes sociais para identificar bens e possíveis interpostas pessoas (laranjas) nos relacionamentos do contribuinte fiscalizado. Já na área de seleção e programação da ação fiscal, a Receita Federal está utilizando modelos de inteligência artificial que realizam buscas na internet e incluem essas informações dentre os parâmetros para seleção do contribuinte para fiscalização (malha).”
Ainda de acordo com a própria Receita Federal, alguns exemplos de situações que são “monitoradas” em redes sociais dos contribuintes:
CASO 1 – Situação em que o contribuinte assume em redes sociais ser proprietário de empresa que não está em seu nome;
CASO 2 – Durante a fiscalização foi identificado que o proprietário registrado no contrato social era uma interposta pessoa (laranja), entretanto tanto o laranja como o suposto real proprietário negavam possuir qualquer vínculo. Em pesquisas nas redes sociais foram identificadas fotos do laranja com o real proprietário da empresa, demonstrando seu vínculo;
CASO 3 – Caso em que filho de contribuinte fala sobre viagens caras e bens do pai que serviram de subsídio para fiscalização e garantia dos créditos tributários;
CASO 4 – Pelas redes sociais os Auditores-Fiscais identificam amigos, com quem o contribuinte se relaciona, permitindo a inclusão dos amigos nas pesquisas de grafo de relacionamentos, que facilitam a busca de laranjas e transferências patrimoniais;
CASO 5 – Vídeo encontrado no Youtube de festa de fim de ano da empresa em que o real proprietário se dirige aos funcionários, sendo que para Receita Federal ele se apresentava como vendedor da empresa. Esse vídeo passou a constar como um dos elementos de prova no processo de lançamento do auto de infração para caracterizar a pessoa com real proprietário da empresa.
CASO 6 – Situação em que o contribuinte assume em redes sociais ser proprietário de empresa que não está em seu nome.
De acordo com o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindfisco) no Ceará, Helder Costa da Rocha, o órgão fiscalizador está monitorando principalmente as fotos e vídeos postados em redes sociais como Instagram, Facebook e YouTube dos contribuintes, com o intuito de identificar distorções entre os bens e o consumo real face ao declarado para a Receita.
“Essa é mais uma ferramenta que a Receita Federal tem usado para fazer o controle das obrigações tributárias do contribuinte. A Receita acompanha essas fontes para o Fisco ter provas o bastante das infrações irregulares. Também temos usado essa ferramenta para identificar o patrimônio do contribuinte porque, eventualmente, pode ser útil na hora da execução de um déficit tributário que não tenha sido honrado e, portanto, a investigação nas redes sociais ajuda a mapear o efetivo patrimônio daquele contribuinte. Se ele não hornar a obrigaçao que tem perante o Estado, não honrar o pagamento do tributo, na hora da execução, a Receita vai levar para o processo a identificação desse patrimônio”.
Sigilo bancário e invasão de privacidade
O sigilo bancário, regulamentado pela lei complementar 105/2001 impede que terceiros, incluindo o governo, tenham acesso a informações sobre as transações financeiras de um indivíduo, exceto em caso de decisão judicial.
Segundo Helder, o monitoramento não é invasão de privacidade, pois o próprio contribuinte deixa os dados em modo público, sem restrições.
Esse é um tema sensível, pois não é possível haver simultaneamente sigilo bancário, se existe uma lei que obriga as instituições financeiras, incluindo bancos, a repassarem todas as movimentações dos clientes para o Fisco.
Monitoramento de “ostentação” nas redes sociais
Em recente entrevista à Revista Cidade Verde, o delegado Eudimar Alves, superintendente do órgão no Piauí, frisou que Receita Federal irá monitorar as redes sociais em busca de indícios de sonegação. Na realidade, a Receita quer verificar se os rendimentos declarados condizem com o padrão ostentado nesses meios.
De acordo com o delegado da Receita Federal e outros Analistas Tributários, o órgão federal utiliza por exemplo fotos do contribuinte ostentando um veículo de luxo, com valor de mercado em dissonância com a declaração existente na base de dados da Receita e cruza com outros dados do informe de rendimentos. Caso esse cruzamento demonstre que aquele veículo não foi declarado ou declarado com valor abaixo da tabela FIPE, o cidadão será acionado para recolher os impostos devidos e a devida declaração de bens, com multas e juros cabíveis.
Segundo analistas da Receita Federal entrevistados, os softwares de Inteligência Artificial utilizados atualmente possuem capacidade de fazer uma “varredura” em todo o conteúdo postado pelo contribuinte nas redes sociais, identificando inclusive modelos de veículos, localização de imóveis e países visitados, porém sempre com a finalidade única e exclusiva de evitar a sonegação fiscal e fazer cumprir a lei de acordo com as atribuições da Receita Federal do Brasil.
Receita Federal cria ferramenta poderosa de Inteligência Artificial
Denominado Projeto Analytcs, a nova tecnologia de fiscalização de fraudes utilizando moderno sistema de algoritmo de Inteligência Artificial, chegou a ser apresentado no Fórum Internacional sediado na Suiça, como um projeto inovador e eficiente para controle das transações internacionais realizadas por contribuintes brasileiros.
Esse sistema permite à Receita ter acesso à transações de grupos econômicos que fazem remessa internacional de moedas estrangeiras, criptomoedas, stablecoins lastreadas em dólar, pedidos irregulares de ressarcimento, permitindo segundo a própria Receita Federal “ter acesso a toda e qualquer transação internacional para qualquer país e em qualquer moeda”.
O Brasil figura entre os países com a maior carga tributária, saltando de 1,737 trilhões de reais em 2020 para 2,435 trilhões em 2024, um aumento de 40%, proporcionalmente o maior do mundo. Diante de todas as mazelas que nosso país possui, como sistema penitenciário superlotado, Sistema Único de Saúde ineficiente, judiciário sobrecarregado, legislativo oneroso e segurança pública caótica, temos que concordar em uma situação: A Receita Federal talvez seja o órgão mais eficiente no Brasil, com recordes atrás de recordes de arrecadação tributária e sistemas de última geração a ponto de “invejar” os pares desenvolvidos da Europa.
É público e notório a capacidade de fiscalização da Receita, conseguindo identificar por Inteligência Artificial todas as movimentações financeiras e até mesmo postagens em redes sociais com a vida “incompatível” em relação aos valores e bens declarados anualmente.
Todo cidadão quer a eficiência dos órgãos públicos, e gostaríamos inclusive que servisse de referência para totós os serviços prestados pelos entes públicos. Toda modernização é bem-vinda, e faço aqui alguns questionamentos:
Já pensou se esse sistema moderníssimo de Inteligência Artificial fosse utilizado para rastrear as emendas PIX do Congresso Nacional que mal se sabe a destinação?
Já pensou se o cruzamento de informações avançadíssimo fosse utilizado para comparar a verba federal com os procedimentos médico-hospitalares realizados?
Já pensou se o monitoramento das redes sociais fosse utilizado para rastrear quadrilhas que aplicam golpes digitais diariamente e nada acontece?
Já pensou se todo o investimento em modernização, reconhecimento facial, identificação de bens, fosse utilizado nas forças policiais?
Em resumo, temos um país eficiente somente no que lhe convém. Seguimos firme, aguardando e pedindo que essa mesma eficiência torne-se exemplo e seja o padrão em todos os serviços fornecidos pelo Governo Federal.
Aviso Legal: As opiniões expressas nos artigos de nossos colunistas não refletem necessariamente a posição do site. O conteúdo destina-se apenas a fins informativos e não constitui orientação para investimentos ou recomendação de transações financeiras. Os leitores são aconselhados a buscar aconselhamento profissional antes de tomar decisões financeiras.