O noticiário dos últimos dias foi tomado integralmente pelo tema mais falado em todos veículos de mídia no Brasil: a possível taxação do PIX. De fato, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa RFB nº 2.219/24, onde obrigava as instituições financeiras, bancos digitais e aplicativos de pagamento a informá-la sobre as movimentações financeiras de contribuintes

A nova regra determinava que as instituições informassem semestralmente à Receita Federal as transações em PIX e cartão de crédito acima de R$ 5.000,00 para pessoas físicas e R$ 15.000,00 para empresas.

Porém, o órgão fiscalizador afirmou que essa medida não teria o intuito de taxar mais contribuintes, somente evitar sonegações e outros crimes ao sistema financeiro.

Diante de toda a repercussão nacional negativa, o ministro da Fazenda Fernando Haddad juntamente com o Secretário da Receita Federal Robinson Barreirinhas, revogaram a medida que deixou de ter efeito imediato, alegando que as “fake news” de taxação do PIX contribuíram para a decisão.

Da esquerda para a direita: Laércio Portela (Secretaria de Imprensa da Secom), Jorge Messias (AGU), Robinson Barreirinhas (Receita Federal) e Fernando Haddad
Da esquerda para a direita: Laércio Portela (Secretaria de Imprensa da Secom), Jorge Messias (AGU), Robinson Barreirinhas (Receita Federal) e Fernando Haddad (Fazenda)…

Mas afinal, a quais dados nossos a Receita Federal do Brasil tem acesso? Além disso, é verdade que o Fisco monitora até mesmo nossas redes sociais

Vamos às respostas, fornecidas diretamente pelas autoridades e a própria RFB (Receita Federal do Brasil).

O que é a Receita Federal?

Em síntese, a Receita Federal do Brasil, também denominada informalmente por “Fisco”, é uma autarquia vinculada e subordinada ao Ministério da Fazenda, do Governo Federal. Possui diversas atribuições, dentre os principais:

  1. Fiscalização dos contribuintes;
  2. Administração dos tributos do comércio interno e exterior;
  3. Cobrança administrativa de tributos;
  4. Repressão ao contrabando e descaminho;
  5. Julgamento de processos administrativos em 1ª instância da tributos da União;
  6. Formular e gerir a política de informações econômicas e fiscais;
  7. Promover a educação fiscal entre a população para a garantia do exercício da cidadania”.
Edifício da Superintendência da Receita Federal

Como ficou evidente, o PIX não seria taxado em qualquer hipótese pela Receita Federal, porque ela não possui essa competência. De acordo com o artigo 154 da Constituição Federal, somente a União pode criar novos impostos ou impostos extraordinários. Os demais órgãos fiscalizadores, neste caso específico a Receita Federal, só possuem autorização para cobrá-los.

Porém o questionamento que mais ouvimos quando falamos do assunto Fisco é o seguinte: se a Receita quiser me cobrar tributos, quais dados meus ela dispõe?

A resposta é um pouco mais ampla, mas já podemos adiantar o seguinte: A Receita tem acesso à absolutamente todos nossos dados e movimentações financeiras, bens pessoais e monitora até mesmo nossa vida pessoal. 

A partir de quais valores as instituições financeiras reportam à Receita Federal?

A Receita Federal recebe informações consolidadas dos bancos sobre as movimentações financeiras dos contribuintes desde 2003, quando foi instituída a Decred. De acordo com a Receita, “a evolução tecnológica e as novas práticas comerciais” trouxeram a necessidade de atualizar a norma, para alcançar outros tipos de operação financeira. A Decred foi substituída pela plataforma “e-Financeira”, criada em 2015.

Desde 2015 então, as Instituições Financeiras (bancos, cooperativas, fintechs) reportam a Receita Federal as movimentações seguintes:

  1. Maiores que R$ 2.000,00 por mês para pessoas físicas;
  2. Maiores que R$ 6.000,00 por mês para pessoas jurídicas.
  3. Movimentações financeiras em espécie acima de R$ 50.000,00 são informadas à Receita Federal e ao COAF (conselho de Controle de Atividades Financeiras), por se tratarem de movimentações suspeitas e atípicas.

Dados dos contribuintes que a Receita Federal tem acesso

Em relação aos dados dos contribuintes disponíveis para a Receita Federal para cobrança de tributos e combate à sonegação fiscal são os seguintes:

  1. A declaração pré-preenchida do Imposto de Renda, com todos os dados;
  2. Número e saldo das suas contas bancárias e de corretoras;
  3. Movimentações feitas com as suas contas;
  4. Tudo o que você recebeu do seu trabalho, como saláriofériasdécimo terceiro, participação em lucro (desde que esse trabalho seja com carteira assinada);
  5. Suas compras realizadas em transferências, PIX ou cartão de crédito e débito;
  6. Imóveis adquiridos e registrados (Informados anualmente pelos cartórios);
  7. Compra e venda de veículos, barcos e aviões;
  8. Local, data e horário que você realiza compras ou utiliza serviços;
  9. Valores retirados ou depositados em bancos;
  10. Valores dos atendimentos médicos e procedimentos realizados;
  11. Dívidas e parcelamentos vigentes.

Nossa vida pessoal é monitorada pelo Fisco?

A resposta técnica é sim, com a finalidade de colher dados de postagens em redes sociais e fazer cruzamentos com os dados declarados pelo contribuinte. Dessa forma, a Receita consegue identificar se o estilo de vida e bens do cidadão são condizentes com seus ganhos declarados.

Vigilância do Pix pela Receita enfrenta críticas de parlamentares –  Notícias do brasil

Vamos ao trecho retirado diretamente do site da Receita Federal em comunicado do dia 14/03/2017:

A Receita Federal utiliza informações de redes sociais de forma rotineira na análise e seleção de contribuintes para fins de fiscalização. Na execução da fiscalização é muito comum que o Auditor-Fiscal analise as redes sociais para identificar bens e possíveis interpostas pessoas (laranjas) nos relacionamentos do contribuinte fiscalizado. Já na área de seleção e programação da ação fiscal, a Receita Federal está utilizando modelos de inteligência artificial que realizam buscas na internet e incluem essas informações dentre os parâmetros para seleção do contribuinte para fiscalização (malha).”

Ainda de acordo com a própria Receita Federal, alguns exemplos de situações que são “monitoradas” em redes sociais dos contribuintes:

CASO 1 Situação em que o contribuinte assume em redes sociais ser proprietário de empresa que não está em seu nome;

CASO 2 Durante a fiscalização foi identificado que o proprietário registrado no contrato social era uma interposta pessoa (laranja), entretanto tanto o laranja como o suposto real proprietário negavam possuir qualquer vínculo. Em pesquisas nas redes sociais foram identificadas fotos do laranja com o real proprietário da empresa, demonstrando seu vínculo;

CASO 3 – Caso em que filho de contribuinte fala sobre viagens caras e bens do pai que serviram de subsídio para fiscalização e garantia dos créditos tributários;

CASO 4 – Pelas redes sociais os Auditores-Fiscais identificam amigos, com quem o contribuinte se relaciona, permitindo a inclusão dos amigos nas pesquisas de grafo de relacionamentos, que facilitam a busca de laranjas e transferências patrimoniais;

CASO 5 Vídeo encontrado no Youtube de festa de fim de ano da empresa em que o real proprietário se dirige aos funcionários, sendo que para Receita Federal ele se apresentava como vendedor da empresa. Esse vídeo passou a constar como um dos elementos de prova no processo de lançamento do auto de infração para caracterizar a pessoa com real proprietário da empresa.

CASO 6 – Situação em que o contribuinte assume em redes sociais ser proprietário de empresa que não está em seu nome.

De acordo com o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindfisco) no Ceará, Helder Costa da Rocha, o órgão fiscalizador está monitorando principalmente as fotos e vídeos postados em redes sociais como Instagram, Facebook e YouTube dos contribuintes, com o intuito de identificar distorções entre os bens e o consumo real face ao declarado para a Receita.

Tela de computador com imagem de pessoa sorrindo

Descrição gerada automaticamente
Helder da Costa Rocha, diretor-presidente do Sindifisco 

“Essa é mais uma ferramenta que a Receita Federal tem usado para fazer o controle das obrigações tributárias do contribuinte. A Receita acompanha essas fontes para o Fisco ter provas o bastante das infrações irregulares. Também temos usado essa ferramenta para identificar o patrimônio do contribuinte porque, eventualmente, pode ser útil na hora da execução de um déficit tributário que não tenha sido honrado e, portanto, a investigação nas redes sociais ajuda a mapear o efetivo patrimônio daquele contribuinte. Se ele não hornar a obrigaçao que tem perante o Estado, não honrar o pagamento do tributo, na hora da execução, a Receita vai levar para o processo a identificação desse patrimônio”.

Sigilo bancário e invasão de privacidade

O sigilo bancário, regulamentado pela lei complementar 105/2001 impede que terceiros, incluindo o governo, tenham acesso a informações sobre as transações financeiras de um indivíduo, exceto em caso de decisão judicial.

Segundo Helder, o monitoramento não é invasão de privacidade, pois o próprio contribuinte deixa os dados em modo público, sem restrições. 

Esse é um tema sensível, pois não é possível haver simultaneamente sigilo bancário, se existe uma lei que obriga as instituições financeiras, incluindo bancos, a repassarem todas as movimentações dos clientes para o Fisco. 

Monitoramento de “ostentação” nas redes sociais

Em recente entrevista à Revista Cidade Verde, o delegado Eudimar Alves, superintendente do órgão no Piauí, frisou que Receita Federal irá monitorar as redes sociais em busca de indícios de sonegação. Na realidade, a Receita quer verificar se os rendimentos declarados condizem com o padrão ostentado nesses meios.

Homem de terno e gravata

Descrição gerada automaticamente
Eudimar Alves, delegado da Receita Federal

De acordo com o delegado da Receita Federal e outros Analistas Tributários, o órgão federal utiliza por exemplo fotos do contribuinte ostentando um veículo de luxo, com valor de mercado em dissonância com a declaração existente na base de dados da Receita e cruza com outros dados do informe de rendimentos. Caso esse cruzamento demonstre que aquele veículo não foi declarado ou declarado com valor abaixo da tabela FIPE, o cidadão será acionado para recolher os impostos devidos e a devida declaração de bens, com multas e juros cabíveis.

Segundo analistas da Receita Federal entrevistados, os softwares de Inteligência Artificial utilizados atualmente possuem capacidade de fazer uma “varredura” em todo o conteúdo postado pelo contribuinte nas redes sociais, identificando inclusive modelos de veículos, localização de imóveis e países visitados, porém sempre com a finalidade única e exclusiva de evitar a sonegação fiscal e fazer cumprir a lei de acordo com as atribuições da Receita Federal do Brasil.

Uma imagem contendo ao ar livre, carro, avião, homem

Descrição gerada automaticamente
Ostentação em rede social

Receita Federal cria ferramenta poderosa de Inteligência Artificial 

Denominado Projeto Analytcs, a nova tecnologia de fiscalização de fraudes utilizando moderno sistema de algoritmo de Inteligência Artificial, chegou a ser apresentado no Fórum Internacional sediado na Suiça, como um projeto inovador e eficiente para controle das transações internacionais realizadas por contribuintes brasileiros.

Projeto Analytcs da Receita Federal do Brasil

Esse sistema permite à Receita ter acesso à transações de grupos econômicos que fazem remessa internacional de moedas estrangeiras, criptomoedas, stablecoins lastreadas em dólar, pedidos irregulares de ressarcimento, permitindo segundo a própria Receita Federal “ter acesso a toda e qualquer transação internacional para qualquer país e em qualquer moeda”.

O Brasil figura entre os países com a maior carga tributária, saltando de 1,737 trilhões de reais em 2020 para 2,435 trilhões em 2024, um aumento de 40%, proporcionalmente o maior do mundo. Diante de todas as mazelas que nosso país possui, como sistema penitenciário superlotado, Sistema Único de Saúde ineficiente, judiciário sobrecarregado, legislativo oneroso e segurança pública caótica, temos que concordar em uma situação: A Receita Federal talvez seja o órgão mais eficiente no Brasil, com recordes atrás de recordes de arrecadação tributária e sistemas de última geração a ponto de “invejar” os pares desenvolvidos da Europa.

É público e notório a capacidade de fiscalização da Receita, conseguindo identificar por Inteligência Artificial todas as movimentações financeiras e até mesmo postagens em redes sociais com a vida “incompatível” em relação aos valores e bens declarados anualmente.

Todo cidadão quer a eficiência dos órgãos públicos, e gostaríamos inclusive que servisse de referência para totós os serviços prestados pelos entes públicos. Toda modernização é bem-vinda, e faço aqui alguns questionamentos:

Já pensou se esse sistema moderníssimo de Inteligência Artificial fosse utilizado para rastrear as emendas PIX  do Congresso Nacional que mal se sabe a destinação?

Já pensou se o cruzamento de informações avançadíssimo fosse utilizado para comparar a verba federal com os procedimentos médico-hospitalares realizados?

Já pensou se o monitoramento das redes sociais fosse utilizado para rastrear quadrilhas que aplicam golpes digitais diariamente e nada acontece?

Já pensou se todo o investimento em modernização, reconhecimento facial, identificação de bens, fosse utilizado nas forças policiais?

Em resumo, temos um país eficiente somente no que lhe convém. Seguimos firme, aguardando e pedindo que essa mesma eficiência torne-se exemplo e seja o padrão em todos os serviços fornecidos pelo Governo Federal.

Joao Victor Capatto Rabelo

João Victor Capatto Rabelo é sócio e assessor de investimentos na InvestSmart. Médico veterinário por formação, atuou na área por 8 anos antes de fazer a transição de carreira. Suas áreas de interesse incluem finanças e, especialmente, criptoativos. Tem um apego especial à educação financeira e como objetivo de vida, ajudar as pessoas a entenderem sobre o mercado financeiro.