Uma tese de investimento bem construída vai muito além da simples análise de números; é uma narrativa que conecta o presente a uma visão de futuro. Ela não é apenas uma questão de avaliar se uma oportunidade de investimento é boa ou ruim, mas de entender por que ela é boa. Sem uma tese sólida, uma decisão de investimento ou uma operação de M&A torna-se um salto no escuro, uma aposta sem fundamentos claros.

A construção de teses de investimento envolve o equilíbrio entre análise técnica e uma visão estratégica bem fundamentada. Perguntas que, à primeira vista, parecem capciosas, encontram respostas dentro de uma tese bem estruturada. Por exemplo, se nunca pagamos para usar nenhum centavo ao WhatsApp, por que o Facebook (agora, Meta) pagou mais de US$ 19 bilhões pela plataforma em 2014? O que justificou essa decisão bilionária?

Para muitas empresas de tecnologia, o valor não está apenas em ganhos imediatos, mas na quantidade de dados e usuários que elas podem agregar ao longo do tempo. A decisão do Facebook não foi baseada nos fluxos de caixa que o WhatsApp gerava, mas sim na percepção de que o aumento no número de usuários reforçaria sua dominância no mercado.

Mais do que números: como construir teses que funcionam

Uma tese de investimento é uma visão de futuro. Por que a ação de uma determinada empresa está barata? Por que um determinado setor deve crescer mais do que outros? No mercado de Venture Capital, que visa uma saída futura (gerando retorno), uma tese de investimento vai além de avaliar se uma startup tem potencial. Quais empresas são potenciais compradoras da startup que você está investindo e POR QUE a comprariam?

O professor Aswath Damodaran, considerado o papa do valuation, destaca que uma tese bem formulada articula o “porquê” e o “como” de um investimento, conectando as forças atuais da empresa com as oportunidades futuras e mapeando os riscos envolvidos.

A construção de uma tese começa com a ciência: análise quantitativa, modelagem financeira e estudo de mercado. A Bridgewater Associates, liderada por Ray Dalio, exemplifica essa abordagem ao combinar dados históricos com projeções de cenários futuros, oferecendo uma compreensão clara das trajetórias potenciais de uma empresa.

Para fins didáticos, de forma simplista, se fôssemos construir uma tese de investimento para a Vale, constataríamos que mais da metade das vendas da empresa (minério de ferro) são para a China. Ao aprofundarmos o entendimento da dinâmica da economia chinesa, podemos perceber que seu modelo de crescimento baseado em construção civil e infraestrutura (historicamente alta demanda por aço) está se esgotando, e que (eis a tese) isso poderá, no curto prazo, reduzir significativamente a demanda por minério de ferro.

Ou seja, a redução do crescimento da China, por conseguinte, reduzirá a demanda por minério de ferro, impactando diretamente as vendas da Vale e, em geral, o preço internacional da commodity.

Decifrando o jogo: o equilíbrio de teses bem estruturadas

A análise de riscos e oportunidades é fundamental no desenvolvimento de uma tese. Ao analisar o investimento em uma empresa, precisamos entender como ela conquista e retém seus clientes. Um conceito-chave nesse contexto é o “switching cost” — o custo que um cliente enfrenta ao mudar de fornecedor ou plataforma. Empresas que elevam esse custo constroem uma barreira competitiva difícil de ser superada.

Um exemplo prático é a startup CargOn, do setor de soluções logísticas. A CargOn criou uma plataforma que digitaliza o setor de frete rodoviário no Brasil, desde o armazém até a gestão da rota dos caminhões. Para tal, a empresa integra sua plataforma com os diferentes sistemas de seus clientes, criando custos de mudança elevados e uma vantagem competitiva sólida e duradoura. Esse tipo de análise é crucial para a construção de uma tese voltada para o crescimento a longo prazo.

No extremo oposto, podemos argumentar que os clientes de uma plataforma de streaming (Netflix, por exemplo) têm baixíssimo custo de troca e podem facilmente cancelar sua assinatura. Isso traz desafios complexos, pois, além de conquistar novos clientes, a empresa precisa investir pesadamente em estratégias para reter os atuais.

O que o mercado não diz: como ler as entrelinhas e antecipar tendências

Embora a ciência forneça a base, a verdadeira arte na construção de uma tese de investimento reside na habilidade de antecipar tendências, compreender o comportamento do mercado e, em muitos casos, interpretar os dados com profundidade. Isso requer experiência, conhecimento setorial e uma dose de intuição.

O iFood é um exemplo claro desse equilíbrio. O sucesso da plataforma está em grande parte relacionado ao “efeito de rede”, em que a adesão de mais restaurantes atrai mais consumidores, criando um ciclo virtuoso. Esse fenômeno não apenas expande a base de usuários, mas também dificulta a entrada de novos concorrentes, consolidando a liderança do iFood no mercado de delivery no Brasil.

A defensibilidade de uma empresa — sua capacidade de manter participação de mercado e gerar retornos consistentes — é outro componente essencial de uma tese. O iFood, por exemplo, não apenas se apoia no efeito de rede, mas também na inovação contínua, como a expansão para entregas de mercado e, mais recentemente, a criação do iFood Pago, o banco digital criado para atender a base de restaurantes da plataforma. Todo esse crescimento e a inovação contínua tornam a entrada de novos concorrentes cada vez mais difícil.

Tese de investimento: um encontro de arte e ciência

Cada tese é única, capturando as especificidades de uma empresa e as características de seu setor. Como destaca Howard Marks, a formulação de uma tese de investimento vai além dos números, abrangendo fatores intangíveis como inovação, adaptabilidade e potencial de crescimento.

A aquisição do WhatsApp pelo Facebook, por exemplo, foi muito mais do que uma compra baseada em fluxo de caixa; foi uma aposta estratégica no comportamento do mercado e no valor de uma plataforma com alto nível de engajamento. Por vezes, boas teses de investimento fogem do óbvio e, por isso, se destacam no mercado.

Igor Monteiro

Sócio e CEO da EqSeed. Igor é Ph.D em Finanças (PUC-RJ) com extensão nos EUA e especialista em valuation com vasta experiência em M&A e Venture Capital. Liderou processos de investimentos em startups e operações de M&A, no Brasil e exterior. Acumula passagens por boutique de M&A, Family-office e instituições financeiras. Foi professor do MBA de Gestão de Investimentos da PUC-Rio.