Quando você pensa em contratos, qual é a primeira coisa que vem à mente? Advogados, termos jurídicos complexos, páginas e páginas de cláusulas? Pode até ser. Mas e se eu te disser que contratos são, na verdade, instrumentos econômicos poderosos? Eles têm tudo a ver com Economia

No centro da Teoria dos Contratos está a ideia de que eles não são apenas peças formais para criar regras, mas sim mecanismos estratégicos que mitigam riscos e alinham interesses. O assunto é tão relevante que foi o tema de pesquisa dos vencedores do Prêmio Nobel de Economia de 2016, Oliver Hart e Bengt Holmström, que mostraram que, além de regular o que está para acontecer, os contratos também alinham expectativas entre as partes envolvidas.

A economia por trás dos contratos em M&A

Trazendo para o contexto de M&A (fusões e aquisições), isso é especialmente relevante porque os contratos são responsáveis por resolver conflitos de interesse entre comprador e vendedor, por exemplo. O sucesso de uma operação vai muito além do valor financeiro envolvido; ele está diretamente ligado à forma como os contratos são desenhados para alinhar os interesses de ambas as partes. E isso é explicado na Teoria dos Contratos por meio de estruturas que lidam com questões como risco moral (moral hazard) e assimetria de informação, que são comuns nessas transações.

Por exemplo, depois de uma transação, existe o risco de que uma das partes não cumpra o combinado e se comporte de maneira inadequada. Os contratos entram em cena para mitigar esses riscos. Cláusulas como o earn-out — onde parte do pagamento depende do desempenho futuro da empresa — asseguram que os fundadores permaneçam incentivados a gerar valor após a venda. Isso cria um alinhamento que beneficia todas as partes envolvidas.

Quando um bom contrato faz a diferença

Um exemplo prático do poder de um contrato bem desenhado é a aquisição do Instagram pelo Facebook em 2012, numa transação de aproximadamente US$ 1 bilhão. O contrato incluía uma cláusula que exigia que os fundadores do Instagram, Kevin Systrom e Mike Krieger, permanecessem na empresa após a venda. Essa estrutura garantiu que a inovação continuasse a fluir, resultando no crescimento explosivo da plataforma, que se tornou um dos maiores sucessos da história do Facebook — que agora é Meta.

Outro caso de sucesso foi a aquisição da Pixar pela Disney, por cerca de US$ 7,4 bilhões. Mais do que uma simples compra de estúdio, foi uma aquisição estrategicamente desenhada para garantir a continuidade da colaboração criativa entre as equipes. As cláusulas garantiram a permanência de talentos-chave e alinharam os objetivos criativos e financeiros, resultando numa revitalização da Disney Animation e sucessos de bilheteria como o clássico Toy Story e o aclamado Up – Altas Aventuras.

Outra cláusula muito utilizada em operações de M&A se chama MAC — Material Adverse Change. De forma resumida, ela estabelece que a transação pode ser desfeita caso haja algum evento extremo. Ela é comumente utilizada, por exemplo, em contratos de investimento de grande porte no Japão — determinando que o compromisso pode ser desfeito em caso de terremotos. 

Mais um caso emblemático envolvendo a MAC foi em 2008, durante a aquisição da Anheuser-Busch pela InBev. O CFO da InBev conseguiu um feito impressionante ao negociar a retirada da cláusula do contrato. Na época, a crise financeira global estava se desenrolando, com a falência do Lehman Brothers e a deterioração das condições econômicas. A presença da cláusula MAC poderia ter dado aos bancos financiadores da compra, ou à própria Anheuser-Busch, o argumento para suspender ou renegociar a transação, alegando que a crise teria impacto material sobre o negócio. Ao remover a cláusula MAC, o CFO eliminou esse risco, permitindo que a InBev levasse a aquisição adiante, mesmo em meio ao caos financeiro de 2008.

O que acontece quando contratos falham?

Mas, nem tudo é sucesso — e temos a História para nos mostrar isso. A emblemática fusão entre Daimler e Chrysler, que foi anunciada como uma “fusão de iguais”, acabou sendo um desastre. A falta de previsibilidade nos termos contratuais e o choque entre as culturas empresariais levaram a conflitos internos que destruíram as sinergias esperadas. O contrato falhou em lidar com essas diferenças, resultando em perdas financeiras significativas.

Outro exemplo de uma operação de M&A que falhou em virtude de deficiências contratuais foi a aquisição da Autonomy, empresa de software britânica, pela HP em 2011. Foram diagnosticadas diversas falhas no processo de diligência e os contratos de compra não previam mecanismos eficazes de proteção contra a descoberta de fraudes posteriores à aquisição (cláusulas de indenização). Como resultado, a HP foi forçada a fazer uma baixa contábil de US$8,8 bilhões pouco mais de um ano após a compra.

A Teoria dos Contratos nas transações de M&A

Isso mostra que, no contexto de M&A, os contratos são muito mais do que simples formalidades. Eles são ferramentas para gerenciar desde riscos endógenos — como a saída de fundadores cruciais — quanto riscos exógenos, como mudanças tecnológicas ou eventos extremos. Através de cláusulas de contingência, opções de compra e venda e mecanismos de ajustamento de preço, um contrato bem desenhado pode transformar uma operação arriscada numa oportunidade verdadeiramente estratégica.

A Teoria dos Contratos nos fornece uma estrutura para entender por que diferentes contratos têm formas e desenhos diversos, e como podemos criar melhores formatos para moldar instituições mais eficazes. Com isso, as operações de M&A podem ser transformadas de oportunidades arriscadas em trampolins para inovação e crescimento.

No final das contas, os contratos não são apenas papéis assinados — são o alicerce que sustenta o sucesso de uma transação.

Igor Monteiro

Sócio e CEO da EqSeed. Igor é Ph.D em Finanças (PUC-RJ) com extensão nos EUA e especialista em valuation com vasta experiência em M&A e Venture Capital. Liderou processos de investimentos em startups e operações de M&A, no Brasil e exterior. Acumula passagens por boutique de M&A, Family-office e instituições financeiras. Foi professor do MBA de Gestão de Investimentos da PUC-Rio.