A recente descoberta de uma fraude bilionária no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) segue gerando novos desdobramentos. Além do pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o caso, surgiram novos golpes que se aproveitam  da alta repercussão do esquema.  

Deflagrada pela Operação Sem Desconto — uma ação conjunta da Controladoria-Geral da União (CGU) com a Polícia Federal (PF) —, a investigação aponta para desvios que podem alcançar R$ 6,3 bilhões, embora o valor exato ainda não tenha sido totalmente confirmado. O esquema de fraude envolve a cobrança de mensalidades associativas sem a autorização dos beneficiários. Entenda os detalhes do caso. 

Golpe do INSS: o que está sendo investigado? 

A investigação em curso aponta para um esquema de fraudes bilionárias dentro do INSS, envolvendo a inclusão indevida de mensalidades associativas nos contracheques de aposentados e pensionistas. Essas cobranças eram feitas sem o consentimento dos beneficiários, com base em autorizações falsificadas. 

Associações e sindicatos, inclusive entidades de fachada, prometiam vantagens inexistentes para justificar descontos indevidos. Segundo a apuração, tanto instituições “fantasma” quanto legítimas incluíram milhares de aposentados como associados sem consentimento.

A investigação ainda aponta que o esquema contava com a participação de servidores públicos e operadores privados, que, segundo a Polícia Federal, atuavam em conluio para manipular dados e burlar os sistemas da Previdência, para viabilizar os descontos nas aposentadorias e pensões.

Estima-se que os prejuízos aos cofres públicos, entre 2019 e 2024, possam chegar a R$ 6,3 bilhões. Contudo, esse valor pode ser superestimado, já que, segundo dados do próprio INSS, o montante corresponde ao total arrecadado por esse tipo de convênio no período investigado — não necessariamente ao montante efetivamente desviado.

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O ponto central da fraude estava nas chamadas “mensalidades associativas”, que apareciam nos contracheques de aposentados e pensionistas como se fossem autorizadas por eles.

Essas mensalidades eram destinadas a entidades como associações ou sindicatos que prometiam supostos benefícios em troca da contribuição, como acesso a farmácias conveniadas, descontos em academias ou até suporte jurídico. 

Acontece que esses benefícios simplesmente não existiam. Mesmo sem jamais terem solicitado qualquer filiação, os beneficiários acabavam com valores descontados todos os meses, sem saberem exatamente para onde o dinheiro estava indo.

Documentos forjados e assinaturas falsificadas

  • Para dar uma aparência de legalidade ao esquema, os envolvidos forjavam documentos de autorização de desconto, simulando como se o próprio beneficiário havia solicitado a filiação à entidade. A Polícia Federal identificou indícios claros de falsificação de assinaturas e uso indevido de dados pessoais. 
  • De acordo com a CGU, cerca de 70% das entidades analisadas sequer apresentaram ao INSS a documentação obrigatória para realizar os descontos. Ainda assim, conseguiram acesso ao sistema, muitas vezes com a ajuda de servidores públicos que atuavam como facilitadores.

Milhões desviados e benefícios pessoais

O esquema não se restringia apenas à falsificação de documentos e cobrança indevida. Relatórios mostram que dirigentes do INSS e servidores públicos receberam vantagens financeiras para facilitar a inclusão dos descontos.

Embora o relatório da Polícia Federal com detalhes das acusações ainda esteja sob sigilo, o jornal O Estado de S. Paulo, que teve acesso ao documento, revelou a identificação de transferências que ultrapassam R$ 17 milhões. 

Segundo a apuração, ex-servidores do alto escalão do INSS teriam recebido esses valores por meio de intermediários ligados às associações suspeitas de aplicar descontos ilegais. Os benefícios identificados pela PF vão além de depósitos vultuosos, incluindo até mesmo veículos de luxo. 

Um dos servidores investigados, por exemplo, teria recebido um carro avaliado em mais de R$ 500 mil, registrado em nome da esposa do procurador do INSS Virgílio Oliveira Filho, afastado por decisão judicial.

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Crescimento explosivo dos desvios

Investigações anteriores do Ministério Público já haviam identificado descontos indevidos em 2018 e 2019, embora em escala menor do que a revelada agora. Segundo relatório da CGU, as associações descontaram, em média, R$ 523,8 milhões por ano entre 2016 e 2021 — com pico em 2018, quando os valores chegaram a R$ 617 milhões.

Os indícios de irregularidades começaram a se intensificar em 2022, quando o volume de reclamações aumentou consideravelmente. Naquele ano, os descontos saltaram para mais de R$ 700 milhões. 

Em 2023, o valor ultrapassou a marca de R$ 1,3 bilhão, quase o dobro do ano anterior. Esse avanço desenfreado chamou atenção da CGU, que detectou um padrão de crescimento incompatível com qualquer operação legítima — um dos principais gatilhos para o início da investigação.

Segundo Luís Lopes Martins, professor da FGV, o avanço das fraudes em 2023 pode, de fato, refletir esquemas iniciados anteriormente, que se consolidaram com o tempo. “Parece que de fato, num primeiro momento, se abriu uma janela para um novo formato de fraude e houve um amadurecimento e exploração da fraude nesses últimos tempos”, afirma o especialista em direito previdenciário, em publicação da BBC News. 

Detalhes da “Operação Sem Desconto”

Fraude do INSS
Imagem: Gov.br/Reprodução

A dita operação Sem Desconto da PF foi deflagrada na quarta-feira do dia 23 de abril para investigar um esquema de descontos indevidos. Cerca de 700 policiais federais e 80 servidores da CGU cumpriram:

  • 211 mandados judiciais de busca e apreensão 
  • 6 mandados de prisão temporária 

A ação da PF se estendeu pelo Distrito Federal e 13 estados, alcançando 34 municípios. Foram apreendidos pelo menos R$ 41 milhões em bens e valores, incluindo carros de luxo, joias, obras de arte e dinheiro em espécie, segundo o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. 

Conforme o balanço parcial da operação, obtido pela TV Globo, foram apreendidos R$ 1,734 milhão em dinheiro vivo, incluindo valores em reais e em moedas estrangeiras.  Também foram expedidas ordens de sequestro de bens que ultrapassam R$ 1 bilhão. 

Cinco pessoas foram presas na manhã de quarta-feira, e uma sexta, inicialmente foragida, foi detida à noite. Todos os investigados são ligados a entidades associativas de Sergipe.

Entidades investigadas

Autorizada pela Justiça, a operação da Polícia Federal teve como alvo sindicatos e associações com Acordos de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS para descontos automáticos em benefícios. 

Ao todo, onze instituições foram investigadas, com acordos que, segundo a CGU, vão desde 1994, como o da Contag, até os mais recentes, firmados entre 2021 e 2022. Conforme a controladoria, as entidades sob suspeitas são: 

  1. Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec)
  2. Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi/FS)
  3. Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (AAPB)
  4. Associação de Aposentados e Pensionistas Nacional (Aapen, antiga ABSP)
  5. Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)
  6. Universo Associação de Aposentados e Pensionistas dos Regimes Geral da Previdência Social (AAPPS Universo)
  7. União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (Unaspub)
  8. Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer)
  9. Associação de Proteção e Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas (Adpap Prev, antiga Acolher)
  10. ABCB Clube de Benefícios/Amar Brasil
  11. Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas do INSS (Caap)

O relatório identificou fragilidades nos mecanismos de validação do INSS e revelou que as associações chegaram a filiar, em média, centenas de aposentados por hora. Um dos relatórios da CGU revela que uma delas chegou a registrar 1.569 filiações por hora. 

O documento também aponta outras entidades com números expressivos, variando de 778 até esse pico de 1.569. As entidades investigadas negam qualquer prática ilegal. 

“Careca do INSS”, a figura central do esquema 

O lobista Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido e citado pela polícia como o “Careca do INSS”, é apontado como o principal operador do esquema. De acordo com a PF, ele é sócio de 21 empresas, sendo que pelo menos quatro delas estão diretamente envolvidas e são usadas na operação conhecida como “farra do INSS”. 

Em um curto período de cinco meses, Antunes teria movimentado R$ 24,5 milhões, em meio as operações fraudulentas. Relatórios indicam que os valores eram rapidamente transferidos, com o intuito de dificultar o rastreamento e mascarar a origem ilícita dos recursos.

Ele atuava como procurador com “plenos poderes” em várias das associações sob investigação, todas registradas no mesmo endereço em Taguatinga, a cerca de 20 km de Brasília. Segundo a polícia, as empresas recebiam recursos das entidades investigadas, sendo utilizadas como fachada para a lavagem do dinheiro. 

A PF revelou que, ao todo, ele movimentou R$ 53,5 milhões, provenientes de recursos de entidades sindicais e intermediários, valores muito acima de sua renda formal de R$ 24,4 mil mensais. 

Servidores suspeitos de envolvimento na fraude do INSS

A investigação sobre a fraude no INSS apontou o envolvimento de 6 autoridades do alto escalão da autarquia, além de um policial federal cuja identidade não foi revelada. Todos os servidores foram afastados do seu cargo. 

Segundo documentos da CGU que indicam quem tinha conhecimento dos descontos indevidos, os envolvidos são:

Alessandro Antonio Stefanutto

  • Cargo do qual foi afastado: presidente do INSS.
  • Embora tenha prometido acionar a Polícia Federal para investigar as fraudes por apurações internas, e afirmar que somente seriam aceitos descontos com assinatura real, Stefanutto autorizou o desbloqueio em lote de descontos associativos atendendo a um pedido da Contag — decisão que contrariou os procedimentos previstos e um parecer inicial da Procuradoria Federal Especializada junto à autarquia.

Geovani Batista Spiecker

  • Cargo do qual foi afastado: Procurador-geral de suporte ao atendimento ao cliente.
    Spiecker teria enviado à Dataprev, arquivos contendo nomes de supostos beneficiários de descontos associativos, mesmo sem que esses indivíduos estivessem devidamente habilitados pelas associações.

Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho

  • Cargo: Procurador-geral do INSS
  • Entre outros pontos, sua companheira, Thaisa Hoffmann Jonasson, e a empresa dela receberam valores milionários de empresas ligadas ao “Careca do INSS”, tido pela PF como  personagem central do esquema. Sua irmã também possui uma empresa que teria sido beneficiada por um escritório de advocacia investigado, e pessoas e empresas ligadas a Virgilio teriam recebido quantias significativas de intermediários.

Jucimar Fonseca da Silva

  • Cargo do qual foi afastado: Coordenador-Geral de pagamentos e benefícios do INSS.
  • O ex-coordenador esteve envolvido na operacionalização de pagamentos com descontos indevidos, sem a devida verificação da autorização dos beneficiários. Participou do processo que resultou na liberação em lote para inclusão de descontos associativos, a pedido da Contag, e assinou a nota técnica encaminhada à Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS.

Vanderlei Barbosa dos Santos

  • Cargo do qual foi afastado: diretor de Benefícios e Relacionamento com o cidadão
  • Servidor de carreira, Babosa dos Santos foi apontado pela Polícia Federal como o “número 2” da autarquia, já tendo, inclusive, assumido a presidência interinamente na ausência de Stefanutto. Segundo os investigadores, a Diretoria de Benefícios é considerada a ”usina do esquema”

André Paulo Feliz Fidelis

  • Cargo: Ex-diretor de benefícios e relacionamento com o Cidadão.
  • Exonerado ainda em julho de 2024, Fidelis assinou ao menos sete novos termos de cooperação com entidades associativas naquele ano, mesmo após denúncias. Ele também teria participado de uma festa promovida por uma entidade investigada por descontos indevidos. 

Fraude do INSS vira “isca” para para novos golpes

Recentemente, novos golpes têm afetado aposentados e pensionistas do INSS, aproveitando-se da repercussão de casos envolvendo descontos indevidos. As vítimas estão sendo direcionadas a sites falsos, muitas vezes com URLs que imitam portais oficiais do governo. Embora os domínios fraudulentos usem termos como “gov”, é importante lembrar que os endereços legítimos de sites governamentais sempre terminam com o domínio “.gov.br”.

Como funciona o golpe?

Um dos golpes identificados recentemente pede para que aposentados e pensionistas forneçam dados pessoais e paguem uma taxa de R$ 59,90, prometendo liberar uma suposta indenização. Este tipo de fraude é classificado como phishing, um esquema em que criminosos usualmente se passam por entidades confiáveis para roubar informações pessoais e financeiras.

Além dos sites falsos, os golpistas também entram em contato diretamente com as vítimas por telefone ou mensagens de WhatsApp, se passando por funcionários do INSS. Eles afirmam que a devolução de valores descontados indevidamente pode ser feita rapidamente, solicitando dados pessoais e bancários dos aposentados.

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Restituição de descontos indevidos

Apesar da gravidade do esquema, até o momento não existe um programa oficial de restituição para os valores descontados indevidamente. A prática de prometer a devolução do dinheiro foi desmentida por órgãos oficiais. 

O Ministério da Previdência Social, em uma nota divulgada em seu site oficial, o ministério informou que a Advocacia-Geral da União (AGU) está trabalhando na melhor forma de restituir os valores, com previsão de resolução para maio de 2025.

O INSS também esclareceu que apenas os descontos associados que não foram reconhecidos no contracheque de abril de 2025 serão devolvidos na folha de pagamento de maio. Quanto aos descontos de meses anteriores, eles ainda estão sendo analisados pela AGU.

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Lucas Machado

Redator e psicólogo com mais de 3 anos de experiência na produção de artigos e notícias sobre uma ampla gama de temas. Suas áreas de interesse e expertisse incluem previdência, seguros, direito sucessório e finanças, em geral. Atualmente, faz parte da equipe do Melhor Investimento, abordando uma variedade de tópicos relacionados ao mercado financeiro.