Em agosto de 2025, a Keurig Dr Pepper, gigante americana de bebidas, anunciou um acordo de US$ 18 bilhões (cerca de R$ 100 bilhões) para adquirir a JDE Peet’s. A empresa holandesa detém diversas marcas de café pelo mundo, incluindo a tradicional Café Pilão, uma das líderes do mercado brasileiro.

O anúncio não apenas chamou atenção pelo valor bilionário, mas também levantou uma série de questionamentos sobre o futuro do setor de café no Brasil, as estratégias corporativas envolvidas e o impacto para consumidores, produtores e investidores.

No Melhor Investimento, vamos explorar em profundidade o que está por trás dessa transação histórica, revisitar a trajetória das empresas envolvidas, analisar o papel do Café Pilão no mercado nacional e projetar cenários para os próximos anos.

Acordo histórico: os detalhes da transação

A Keurig Dr Pepper (KDP) concordou em pagar 31,85 euros por ação da JDE Peet’s, o que representa um prêmio de 33% sobre a média dos últimos três meses de negociação. O negócio avalia a companhia holandesa em US$ 18 bilhões, bem acima de seu valor de mercado recente, estimado em US$ 15 bilhões.

Esse movimento se encaixa na estratégia de reestruturação da KDP, que anunciou sua intenção de se dividir em duas empresas listadas em bolsa nos Estados Unidos:

  • Uma dedicada ao mercado de café, que reunirá marcas globais e terá receita anual estimada em US$ 16 bilhões;
  • Outra voltada para bebidas não alcoólicas, incluindo refrigerantes como Dr Pepper, 7UP, Snapple e energéticos como Bloom e Ghost, com faturamento próximo a US$ 11 bilhões.

Essa separação busca dar mais foco às operações, atendendo a investidores que preferem empresas mais especializadas e enxergam no café um setor com grande potencial de crescimento global.

Quem é a Keurig Dr Pepper?

A Keurig Dr Pepper nasceu em 2018, a partir da fusão entre a Keurig Green Mountain (fabricante de cafés e máquinas de cápsulas, muito popular na América do Norte) e a Dr Pepper Snapple Group, responsável por algumas das bebidas mais conhecidas do mercado americano.

Com sede em Burlington, no estado de Massachusetts, e em Frisco, no Texas, a empresa rapidamente se tornou a terceira maior companhia de bebidas da América do Norte, atrás apenas da Coca-Cola e da PepsiCo.

Nos últimos anos, entretanto, a divisão de cafés da KDP enfrentou desafios competitivos. Concorrentes como Nestlé (Nescafé, Nespresso) e Starbucks ampliaram sua presença global, pressionando margens e exigindo novas estratégias de expansão.

A aquisição da JDE Peet’s é, portanto, uma tentativa de reforçar essa frente de negócios e equilibrar o jogo no mercado internacional.

Quem é a JDE Peet’s?

A JDE Peet’s é fruto da fusão entre a holandesa Douwe Egberts e a americana Peet’s Coffee, consolidada em 2020 em uma das maiores ofertas públicas iniciais (IPO) daquele ano na Europa.

Com sede em Amsterdã, a empresa reúne um portfólio impressionante de marcas conhecidas no mundo inteiro: Jacobs, Douwe Egberts, L’OR, Senseo, Tassimo, Peet’s Coffee e, no Brasil, o Café Pilão.

Antes da aquisição, a JDE Peet’s já estava avaliada em aproximadamente US$ 15 bilhões, sendo uma das líderes globais do setor de cafés torrados, solúveis e em cápsulas.

Café Pilão: um ícone brasileiro

Fundado em 1978, o Café Pilão rapidamente conquistou o gosto dos brasileiros com o slogan “O café forte do Brasil”. Desde então, a marca se tornou uma das mais tradicionais do país, presente nas prateleiras dos supermercados e nas mesas de milhões de lares.

Ao longo das décadas, a marca passou por diferentes controladores até ser incorporada ao portfólio da JDE, que ampliou sua distribuição e fortaleceu sua presença em diferentes segmentos, desde o pó tradicional até cápsulas compatíveis com máquinas de café.

O Pilão é mais do que uma marca de café: ele representa tradição, memória afetiva e a força de um hábito cultural tipicamente brasileiro.

Por isso, o anúncio da venda mexeu não apenas com analistas financeiros, mas também com consumidores que se perguntam: o que vai mudar?

O mercado de café no Brasil: cenário e oportunidades

O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo, respondendo por cerca de 38% da produção global. Além disso, o consumo interno é extremamente relevante: segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), o brasileiro consome em média 839 xícaras de café por ano.

Para a safra 2024/25, a projeção aponta para uma colheita de aproximadamente 45,4 milhões de sacas de café arábica e em torno de 21 milhões de sacas de robusta.

Nos últimos anos, o grande desafio da produção de café tem sido acompanhar o ritmo acelerado do consumo mundial. De acordo com a Organização Mundial do Café, todos os dias são consumidas cerca de 485 mil sacas de 60 kg da bebida ao redor do planeta.

Esse cenário faz do Brasil um mercado estratégico para qualquer empresa global que queira fortalecer sua presença no setor.

Outro ponto importante é que o Brasil tem se tornado cada vez mais sofisticado em termos de consumo de café. Se antes predominava o pó tradicional, hoje há uma explosão de cafeterias, métodos especiais e cafés gourmet, abrindo espaço para diferentes perfis de produtos e faixas de preço.

Pacotes de café Pilão Cafeteria em grãos e solúvel, ao lado de xícara de café com leite fumegante.
Imagem: Pilão/Divulgação

Impactos para o mercado brasileiro: o que muda com o acordo?

O Brasil não é apenas o berço do Café Pilão, mas também o maior produtor e segundo maior consumidor de café do mundo.

Por isso, qualquer movimento estratégico envolvendo grandes players globais repercute diretamente no mercado interno. A aquisição da JDE Peet’s pela Keurig Dr Pepper deve impactar o país em diferentes dimensões:

1. Concorrência mais acirrada

O setor de café no Brasil já é bastante competitivo, com fortes marcas locais e multinacionais disputando espaço. O acordo promete elevar essa rivalidade a um novo patamar.

  • 3 Corações (controlada pelo grupo São Miguel e pela israelense Strauss) lidera o mercado em diversas categorias e tem forte capilaridade no varejo.
  • Melitta mantém sua posição consolidada tanto no café em pó quanto no segmento de filtros.
  • Nestlé investe fortemente em cafés solúveis e cápsulas com a linha Nescafé e Nespresso.

Com a KDP mais robusta, essas empresas terão que intensificar suas estratégias, seja por meio de inovação, marketing agressivo ou expansão de portfólio.

O consumidor pode ser beneficiado com mais promoções, campanhas criativas e lançamentos frequentes, fruto dessa corrida pela atenção no mercado.

2. Inovação como diferencial competitivo

Nos últimos anos, o mercado brasileiro de café tem se sofisticado. O consumidor não busca apenas “tomar café”, mas também experienciar diferentes sabores, métodos e estilos de consumo.

A nova configuração promete acelerar esse movimento, com maior investimento em:

  • Linhas premium e especiais: cafés de origem controlada, blends exclusivos e produtos gourmet.
  • Cápsulas e sistemas compatíveis: segmento que cresce rapidamente, sobretudo entre jovens adultos e famílias urbanas.
  • Produtos sustentáveis: cafés certificados, embalagens recicláveis e práticas alinhadas à agenda ESG.

O Brasil pode se tornar palco de uma corrida pela diferenciação, trazendo ao consumidor final uma diversidade ainda maior de produtos.

3. Reflexos no agronegócio brasileiro

Como maior produtor mundial, o Brasil é peça-chave no tabuleiro global do café. A entrada de uma gigante como a KDP fortalece ainda mais os contratos de fornecimento e a demanda por café verde.

Por outro lado, a pressão por custos competitivos pode representar um desafio: grandes multinacionais tendem a negociar volumes altos com preços ajustados do café, o que pode apertar margens para produtores.

Contudo, abre-se também uma oportunidade para que o café brasileiro ganhe mais visibilidade internacional, especialmente em linhas premium e sustentáveis, nas quais o país já tem reconhecimento.

Produtores que conseguirem se diferenciar em qualidade e certificações terão vantagem estratégica para fechar contratos mais rentáveis.

4. O impacto no consumidor final

Do ponto de vista do consumidor, os efeitos podem ser sentidos em duas direções:

  • Mais opções nas prateleiras: desde cafés tradicionais até versões premium e cápsulas, o público terá acesso a um leque mais amplo de escolhas.
  • Possíveis ajustes de preço: em um primeiro momento, a fusão pode gerar ganhos de escala, mas a médio prazo a estratégia de diferenciação pode vir acompanhada de produtos mais caros, principalmente nos segmentos premium.

Resultado esperado: o consumidor brasileiro terá um mercado mais diversificado, mas também precisará se adaptar a uma estratificação maior de preços – com cafés populares convivendo lado a lado com linhas sofisticadas a valores mais elevados.

5. Possível transformação cultural no consumo de café

Além de impactos práticos, há também um efeito cultural e comportamental. O café no Brasil é tradicionalmente associado ao consumo diário, simples e acessível.

Mas com a entrada de novas linhas, cápsulas e cafés especiais, podemos ver uma mudança na forma como o brasileiro se relaciona com a bebida.

Assim como aconteceu com o vinho e a cerveja artesanal, o café tende a ganhar status de experiência gastronômica. Essa mudança abre espaço para cafeterias independentes, baristas e pequenos produtores que trabalham com valor agregado, estimulando todo um ecossistema ao redor da bebida.

O impacto da aquisição no Brasil será multifacetado. Enquanto consumidores terão acesso a mais variedade e inovação, produtores enfrentarão pressão por preços competitivos, e concorrentes precisarão acelerar suas estratégias.

O saldo, no entanto, tende a ser positivo, consolidando o país não apenas como produtor, mas também como mercado consumidor sofisticado e estratégico para o futuro do café no mundo.

Estratégia corporativa: o que está por trás do acordo?

Embora o valor bilionário chame atenção, o que realmente está em jogo é a estratégia corporativa. A KDP percebeu que não poderia competir com gigantes como Nestlé apenas com seu negócio concentrado nos EUA. Era necessário dar um passo ousado, globalizar suas operações e criar uma estrutura independente para o café.

Esse acordo traz três movimentos principais:

  1. Escala global: unindo forças, a KDP ganha presença imediata em mercados estratégicos como Europa, América Latina e Oriente Médio, onde a JDE já é consolidada.
  2. Foco operacional: ao separar o café dos refrigerantes, a empresa cria duas estruturas mais ágeis, capazes de atender às particularidades de cada setor.
  3. Força de marca: com Pilão, Jacobs, L’OR e Peet’s, a KDP passa a controlar um portfólio capaz de disputar em todos os segmentos – do café tradicional ao premium.

Lições de estratégia corporativa: o que o acordo ensina para empresas e investidores?

O anúncio da compra da JDE Peet’s pela Keurig Dr Pepper não deve ser visto apenas como uma transação bilionária entre multinacionais.

Ele também oferece lições valiosas de estratégia corporativa, que podem inspirar tanto grandes companhias quanto negócios de menor porte e investidores atentos ao mercado.

1. O foco pode gerar mais valor do que a diversificação excessiva

Ao anunciar a cisão entre café e refrigerantes, a KDP demonstra que concentrar energia em um único setor pode aumentar a atratividade e o potencial de crescimento.

Muitas vezes, conglomerados acabam diluindo esforços ao tentar operar em áreas muito diferentes. Isso gera perda de agilidade e dificuldade em comunicar claramente ao mercado qual é a proposta de valor da empresa.

No caso da KDP, a criação de duas companhias independentes permitirá que investidores escolham em qual segmento querem apostar: o setor de cafés, em ascensão global, ou o de bebidas não alcoólicas, com marcas já consolidadas.

Essa clareza tende a destravar valor oculto e pode se refletir na valorização das ações no mercado.

Negócios de qualquer porte podem aprender com isso. Em vez de tentar abraçar múltiplas frentes, muitas vezes a estratégia mais inteligente é especializar-se em um nicho e dominá-lo antes de expandir.

2. A marca é um ativo estratégico e não apenas um nome no rótulo

Um dos pontos centrais do acordo foi a força das marcas envolvidas.

O Café Pilão, no Brasil, é um excelente exemplo: trata-se de um ativo que carrega décadas de reputação, confiança e conexão emocional com os consumidores.

Esse tipo de capital simbólico é difícil de replicar e explica por que o valor do acordo superou o preço de mercado da JDE Peet’s.

As marcas funcionam como atalhos na mente do consumidor e podem influenciar diretamente a participação de mercado, fidelização e margem de lucro.

Seja uma multinacional ou uma cafeteria de bairro, investir na construção de marca é essencial. Isso envolve desde a qualidade consistente do produto até a narrativa de marketing e o relacionamento com clientes.

3. Globalização não é mais opcional: é questão de sobrevivência

Outro aprendizado é que ficar restrito a um mercado doméstico pode limitar o crescimento de uma empresa.

A KDP, por exemplo, tinha sua atuação fortemente concentrada na América do Norte. Ao adquirir a JDE Peet’s, ela ganha acesso imediato à Europa, América Latina e Oriente Médio, diversificando riscos e ampliando oportunidades.

Em um mundo cada vez mais interconectado, empresas que não buscam internacionalização podem perder espaço para concorrentes que exploram novos territórios e adaptam produtos a diferentes culturas de consumo.

A globalização pode começar de maneira gradual. Pequenas e médias empresas podem explorar exportações, parcerias internacionais ou até e-commerce transfronteiriço para alcançar novos clientes. O importante é não ignorar o potencial além das fronteiras locais.

4. Reestruturação pode ser oportunidade, não apenas problema

Frequentemente, quando se fala em reestruturação, a imagem associada é de cortes, dificuldades e retração. Mas esse caso mostra o contrário: a reestruturação da KDP é um movimento ofensivo, de expansão e reposicionamento estratégico.

Separar café e refrigerantes é, na prática, uma forma de preparar cada unidade de negócio para crescer de forma independente, com autonomia para decidir investimentos, parcerias e inovações.

Em vez de temer reestruturações, empresas devem enxergá-las como oportunidade de adaptação e sobrevivência em mercados em constante transformação.

5. A visão de longo prazo é fundamental

Por fim, o acordo ressalta a importância de pensar em décadas, não em trimestres. O setor de café é altamente competitivo e enfrenta mudanças constantes no comportamento do consumidor.

Ainda assim, a KDP apostou bilhões de dólares na convicção de que o consumo global de café continuará crescendo no longo prazo.

Essa visão estratégica se sobrepõe a possíveis turbulências de curto prazo, como flutuações nos preços da commodity, crises econômicas ou oscilações cambiais.

Para investidores e empreendedores, o recado é claro: visão de longo prazo e paciência estratégica tendem a gerar retornos mais consistentes do que reações imediatistas a cada mudança do mercado.

Possíveis desdobramentos no médio e longo prazo

O acordo ainda precisa passar por aprovações regulatórias em diferentes países, mas já é possível projetar alguns cenários:

  1. Aceleração da competição no Brasil, com novas campanhas de marketing e lançamento de produtos diferenciados.
  2. Reforço em práticas de sustentabilidade, já que consumidores globais estão cada vez mais atentos à origem do café.
  3. Integração cultural e operacional: o desafio da KDP será unir duas gigantes com histórias, culturas e mercados muito distintos.
  4. Possível valorização da marca Pilão, que pode ganhar ainda mais visibilidade internacional como parte de um portfólio global.

Afinal, o que está por trás do acordo bilionário?

O acordo bilionário da Keurig Dr Pepper para comprar a JDE Peet’s vai além do valor de US$ 18 bilhões. Ele mostra como grandes empresas vêm reorganizando suas marcas e expandindo presença em mercados ao redor do mundo.

Para o Brasil, essa transação é especialmente significativa: o Café Pilão, um ícone nacional, agora faz parte de uma disputa global que pode redefinir os rumos do setor.

Os próximos anos dirão como consumidores, concorrentes e produtores vão reagir a essa nova configuração de mercado.

O certo é que, seja no aroma forte do Pilão ou na sofisticação de cápsulas premium, o café continuará sendo protagonista, tanto no cotidiano dos brasileiros quanto nas grandes estratégias empresariais do mundo.

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Carolina Gandra

Jornalista do portal Melhor Investimento, especializada em criptomoedas, ações, tecnologia, mercado internacional e tendências financeiras. Transforma temas complexos como blockchain, inteligência artificial e estratégias de mercado em conteúdos acessíveis e envolventes. Com análises atuais e visão estratégica, ajuda leitores a decifrar o futuro dos investimentos e identificar oportunidades no mercado financeiro.