Na próxima quarta-feira, 27 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) se debruçará sobre uma questão crucial para o futuro da internet no Brasil: a responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos compartilhados pelos usuários. O tema será debatido no julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI), que trata da obrigatoriedade das plataformas em remover conteúdos considerados ilegais. O artigo estabelece que as plataformas só precisam agir após ordem judicial, um ponto de tensão que está gerando manifestações divergentes entre setores da sociedade, empresas e órgãos governamentais.

O artigo 19 do MCI, criado em 2014, já foi considerado uma das principais regulamentações para o uso da internet no Brasil. Ele visa garantir a liberdade de expressão e evitar a censura por parte das plataformas digitais. No entanto, diante do crescimento das fake news e da disseminação de conteúdos prejudiciais, como incitação à violência e ataques a instituições democráticas, o tema voltou à tona com força.

O Supremo Tribunal Federal terá de decidir se mantém a regra atual, que exige a remoção de conteúdos apenas após uma ordem judicial, ou se amplia as responsabilidades das plataformas, obrigando-as a agir de maneira preventiva em casos específicos, como discursos de ódio ou conteúdos antidemocráticos.

O que dizem as manifestações ao STF?

Um levantamento recente do Reglab, encomendado pelo Google, revela que 48% das manifestações enviadas ao STF apoiam a constitucionalidade do artigo 19, defendendo a ideia de que as plataformas não devem ser responsabilizadas sem uma decisão judicial. Isso significa que uma parte considerável dos participantes do debate acredita que a atual regra é suficiente para proteger a liberdade de expressão e evitar excessos na remoção de conteúdos.

Por outro lado, 20% das manifestações consideram o artigo inconstitucional, sugerindo que a atual legislação não é suficiente para combater os abusos cometidos pelas plataformas. Já 25% das manifestações propõem uma “interpretação conforme”, ou seja, uma abordagem intermediária que incluiria mais exceções ao artigo 19, ampliando os casos em que as plataformas seriam obrigadas a remover conteúdos sem necessidade de uma ordem judicial.

O debate reflete a dificuldade de balancear a liberdade de expressão com a necessidade de combater conteúdos prejudiciais, como a incitação à violência ou ataques à democracia. Uma das possibilidades que será discutida no julgamento é se o STF pode estabelecer mais hipóteses em que as plataformas devem agir de maneira preventiva, sem esperar a intervenção judicial.

Setores e entidades envolvidos no debate

O setor de tecnologia tem se posicionado fortemente a favor da manutenção do artigo 19 como está, argumentando que a medida preserva a liberdade de expressão e impede a censura prévia. Empresas como Google e Facebook, que operam plataformas com grande alcance no Brasil, têm defendido que a obrigação de remoção de conteúdos sem ordem judicial poderia resultar em censura indevida e prejudicar a dinâmica da internet.

Entre as manifestações de setores da sociedade, houve uma divisão significativa. No campo acadêmico e da sociedade civil, 59% se posicionaram a favor da constitucionalidade do artigo 19, considerando que ele preserva direitos fundamentais, como a liberdade de expressão. O restante se dividiu entre os que consideram a norma inconstitucional e aqueles que propõem uma interpretação mais flexível do MCI.

O governo federal, por meio do Executivo, tem se mostrado favorável a uma interpretação conforme, buscando um meio-termo que amplie a responsabilidade das plataformas sem comprometer a liberdade de expressão. Já o Congresso, por meio de deputados e senadores, tem defendido a manutenção da norma tal como está, considerando que a legislação atual já oferece um equilíbrio adequado.

Principais argumentos no debate

Diversos argumentos têm sido levantados em favor da manutenção do artigo 19 ou de sua ampliação. Entre os mais comuns, destacam-se a “complexidade de julgamentos sobre liberdade de expressão”, que aponta para a dificuldade de determinar quando um conteúdo é prejudicial sem ferir o direito à livre manifestação; a “individualização das condutas”, que defende que cada caso deve ser analisado de forma única, levando em consideração o contexto da postagem; e a “inconstitucionalidade aumenta a censura prévia”, um argumento que alerta para o risco de censura antes que um tribunal se pronuncie sobre o caso.

Entidades de defesa do consumidor também se manifestaram, com o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) defendendo que o artigo 19 do MCI é constitucional, mas que os direitos dos usuários seguem protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, garantindo que as plataformas não sejam isentas de responsabilidade.

O marco civil da internet

O Marco Civil da Internet foi criado com o objetivo de regular o uso da internet no Brasil, promovendo a proteção de dados pessoais, a neutralidade da rede e a liberdade de expressão. No entanto, após dez anos de sua implementação, muitos especialistas apontam que a legislação precisa ser atualizada para refletir os novos desafios do ambiente digital. O debate em torno do artigo 19 é apenas uma das questões que devem ser enfrentadas na revisão do Marco Civil, já que novas tecnologias e comportamentos online surgiram desde a criação da lei.

O julgamento do STF promete ser um marco importante no caminho para a atualização da legislação sobre o uso da internet no Brasil. A decisão que será tomada na próxima quarta-feira pode afetar profundamente a maneira como as plataformas digitais operam no país e o nível de responsabilidade que terão sobre os conteúdos publicados por seus usuários.