Nos últimos anos, tornou-se cada vez mais evidente um movimento que muitos já chamam de “invasão chinesa”. Acostumados historicamente com produtos, serviços e marcas de origem norte-americana, os consumidores brasileiros têm se familiarizado com empresas chinesas, que ampliam sua presença e influência em diversos setores do mercado.

Desde 2009, a China ocupa o posto de principal parceira comercial do Brasil — responsável por 28% do valor total exportado e por 41% do superávit comercial brasileiro em 2024. 

Na esteira de aproximações diplomáticas entre os dois países e pelas tensões globais intensificadas durante a gestão de Donald Trump nos Estados Unidos, o gigante asiático vem diversificando sua atuação no país, mirando em setores já tradicionais na relação Brasil-China, como o energético, e em áreas emergentes, como delivery e veículos elétricos.

O que significa a expressão “invasão chinesa”?

Pode-se dizer que a expressão “invasão chinesa” se refere a um movimento econômico e cultural cada vez mais perceptível. Em suma, o termo busca lançar luz sobre a expansão das empresas chinesas — e de seus produtos, tecnologias e investimentos — no cotidiano dos brasileiros. 

Dos celulares e aplicativos às montadoras e plataformas de delivery, a presença da China deixou de ser periférica para se tornar parte estrutural do mercado e da vida do consumidor brasileiro. Somente entre 2015 e 2019, empresas da China investiram, em média, cerca de US$ 6,6 bilhões por ano no país.  

O Brasil se firmou como o terceiro principal destino global para o capital chinês em 2024, ficando atrás apenas do Reino Unido e da Hungria. A consolidação da posição, conforme dados do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), é impulsionada pela atração de US$ 4,2 bilhões em investimentos distribuídos em 39 projetos. 

O volume de aportes mais recente se soma ao expressivo estoque histórico. A China investiu cerca de US$ 66 bilhões no Brasil ao longo dos últimos 14 anos, segundo o CEBC. Conforme a embaixada chinesa, essa cifra representa o maior volume de investimentos da história do país asiático no Brasil. 

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Por que as empresas chinesas estão migrando para mercados externos?

Nos últimos anos, tem-se observado um movimento claro de internacionalização das empresas chinesas. A exponencial modernização e o crescimento da economia asiática abriram espaço para que diversas companhias dominassem o mercado doméstico e passassem a alcançar projeção global.

Esse poder de alcance, aliás, é apontado por especialistas como uma das principais razões para a expansão internacional das empresas chinesas. A saturação do mercado interno faz com que a busca por novos horizontes aconteça quase de forma natural. É o que argumenta Marina Miranda, diretora institucional do Lest Group.

“A internacionalização surge, portanto, como caminho natural quando o crescimento no mercado doméstico se torna limitado. Expandir para outros países permite diversificar receitas, acessar novos recursos estratégicos e fortalecer a competitividade”, argumentou, em coluna publicada no CKGSB Knowledge Brasil. 

Segundo uma pesquisa de 2022 patrocinada pela ADP, empresa global de gestão de capital humano, mais de 80% das empresas chinesas afirmaram que o principal impulso para a internacionalização é explorar novos mercados, expandir os negócios e buscar crescimento acelerado.

Miranda também ressalta o forte apoio do governo chinês como um fator determinante nesse processo. Jessica Zhang, vice-presidente sênior da ADP Ásia-Pacífico, observa que, nos últimos anos, a China tem implementado uma série de políticas — como a Iniciativa do Cinturão e Rota, a estratégia de “dupla circulação” e a política “go global” — que vêm facilitando a internacionalização das empresas do país.

Fatores impulsionadores da internacionalização

Segundo o estudo, o movimento acelerado das companhias chinesas em direção ao exterior é explicado, principalmente, por fatores como:

  • Políticas de incentivo governamental;
  • Crescimento exponencial da demanda de mercado;
  • Aumento da competitividade;
  • Força de capital;
  • Procura por recursos e experiências internacionais.

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Casos concretos do capital chinês no mercado brasileiro

O investimento direto da China no Brasil registrou um crescimento expressivo em 2024, mais que dobrando o volume aportado em relação a 2023. Essa expansão robusta acompanha o fortalecimento dos laços diplomáticos, evidenciado pelos encontros entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o líder chinês Xi Jinping, que culminaram no anúncio de diversas parcerias bilaterais.

Refletindo a nova fase, as empresas chinesas têm ampliado seus aportes, diversificando a alocação de capital. O investimento se estende além de setores tradicionalmente consolidados, como energia e mineração, alcançando áreas emergentes e de alto valor agregado, notadamente os segmentos automobilístico, de serviços e de tecnologia.

Mas quais são essas empresas e seus investimentos? Veja alguns dos casos mais emblemáticos:

Caixa de papelão com a frase "Made in China" sendo transportada por uma esteira em um ambiente de embalagem.
Imagem: Envato Elements

CGN 

A estatal chinesa CGN firmou um acordo para a expansão de projetos de energia renovável no Piauí. De acordo com o memorando assinado entre as partes, a companhia de energia nuclear da China investirá R$ 3 bilhões na iniciativa, que contempla fontes eólica e solar, além de sistemas de armazenamento de energia.

A CGN já mantém presença no estado desde 2019, com projetos de geração solar em Ribeira do Piauí e energia eólica em Lagoa do Barro

Envision Energy

Em junho de 2025, a multinacional Envision Energy e o estado do Rio de Janeiro formalizaram os próximos passos de uma parceria estratégica com potencial de atrair até R$ 5 bilhões em investimentos até 2033.

Representada por Bella Zhang, Head Global de Estratégia para Combustível de Aviação Sustentável (SAF), a Envision Energy reiterou seu compromisso com o Brasil e com a expansão global de sua cadeia de valor em combustíveis verdes. 

O projeto de vanguarda prevê a construção do primeiro Parque Industrial Net-Zero da América Latina, focado na produção de SAF, hidrogênio verde e amônia verde. 

Mixue

A Mixue, rede chinesa especializada em sorvetes e bebidas geladas, anunciou um robusto plano de investimento no Brasil no valor de R$ 3,2 bilhões para iniciar e expandir suas operações. 

A empresa, que está entre as maiores redes de fast-food do mundo, projeta gerar até 25 mil empregos diretos e indiretos até o final desta década. Com um modelo de negócios de sucesso baseado em preços acessíveis, a Mixue já superou, em número de unidades, gigantes americanas do setor, como McDonald’s e Starbucks.

Meituan 

Por meio da marca Keeta, a líder chinesa de entregas planeja investir R$ 5,6 bilhões nos próximos cinco anos no mercado de delivery brasileiro. O lançamento oficial está previsto para novembro de 2025, antecedido por uma operação piloto em Santos e São Vicente no final de outubro.

A Keeta chega para disputar espaço em um mercado dominado por iFood e Rappi, apostando em tecnologia avançada, atendimento personalizado e uma ampla equipe local de suporte. 

Segundo Tony Qiu, presidente de operações internacionais da empresa, a combinação entre inovação e assistência direta a restaurantes de todos os portes é um dos principais diferenciais para a marca no Brasil.

UnionPay

Ainda para 2025, o Brasil deve contar com um cartão de crédito Chinês. Presente em mais de 180 países e com cerca de 9 bilhões de cartões emitidos globalmente, a empresa chinesa anunciou oficialmente sua entrada no mercado brasileiro

A operação será viabilizada por meio de uma parceria estratégica com a Left (Liberdade Econômica em Fintech). Detentora de 40% do mercado global, a maior emissora de cartões da China chega ao Brasil como concorrente direta de Visa e Mastercard, que hoje dominam o setor.

DiDi

A controladora da plataforma 99 informou que dobrará os investimentos em sua divisão de delivery de alimentos, a 99Food. O novo aporte totalizará R$ 2 bilhões e será realizado até junho de 2026. 

O anúncio do novo investimento foi feito durante um encontro em Brasília, realizado em setembro de 2025 entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Will Cheng, CEO da DiDi.

Atualmente presente em São Paulo e Goiânia, o aplicativo planeja expandir suas operações para 16 cidades até o início do próximo ano. Além disso, a 99 revelou um pacote de R$ 6 bilhões destinado à aquisição de motos e bicicletas elétricas voltadas aos entregadores da plataforma.

Outros exemplos incluem: 

EmpresaSetorInvestimentoFinalidade
Great Wall Motors (GWM)AutomotivoR$ 6 bilhõesExpansão das operações e aumento da capacidade produtiva no Brasil.
BYDAutomotivo / Energia limpaR$ 5,5 bilhõesConstrução de um complexo fabril em Camaçari (BA).
CMOC (China Molybdenum)MineraçãoUS$ 1,5 bilhãoAquisição das minas de nióbio e fosfato da Anglo American em GO e SP.
Baiyin NonferrousMineraçãoR$ 2,4 bilhõesCompra da mineradora Vale Verde e da mina de cobre Serrote, em Alagoas.
Longsys / ZiliaTecnologia / SemicondutoresR$ 650 milhõesAmpliação das fábricas em Atibaia (SP) e Manaus (AM); produção de componentes e dispositivos de memória (DRAM e Flash).

China no Brasil: parceria consolidada, mas não maior investidor

Há anos, a China se consolidou como o principal parceiro comercial do Brasil, especialmente no comércio de commodities. Três produtos representam cerca de 75% das exportações brasileiras para o país asiático:

  • Soja (33,4%); 
  • Petróleo bruto (21,2%);
  • Minério de ferro (21,1%). 

Em 2024, a China também foi a maior fornecedora do Brasil, respondendo por 24,2% das importações totais, quatro vezes mais do que sua participação registrada duas décadas antes.

EUA ainda lidera nos investimentos

Embora a influência comercial da China seja crescente, os Estados Unidos mantêm a posição de maior investidor na economia brasileira. Conforme dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o volume acumulado de investimentos americanos no Brasil mais que triplicou entre 2014 e 2024, saltando de US$ 108,7 bilhões para US$ 357,8 bilhões.

A título de comparação, o estoque de investimentos chineses no país, abrangendo o período de 2005 a 2025, atingiu a marca de US$ 76 bilhões. Especialistas, porém, alertam que medidas tarifárias e políticas protecionistas nos EUA podem enfraquecer a liderança americana, abrindo espaço para uma maior influência da China no cenário econômico brasileiro.

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Cenários futuros e implicações geopolíticas

O avanço dos investimentos chineses no Brasil ocorre em um contexto de crescentes tensões geopolíticas, o que tem levantado questionamentos, especialmente por parte dos Estados Unidos, sobre o posicionamento brasileiro nesse cenário. De acordo com especialistas, o interesse ampliado da China pelo país pode ser explicado, em parte, pela guerra comercial deflagrada durante o governo norte-americano anterior.

Em meio às discussões sobre o fortalecimento das relações econômicas entre Brasil e China, empresas chinesas anunciaram planos de investir até R$ 27 bilhões no país nos próximos anos.

Transformações na geoeconomia global

A crescente onda de investimentos chineses no Brasil deve ser interpretada no contexto das amplas transformações da geoeconomia global. É o que afirma o professor de Geopolítica e mestre em Educação, Maurício Alfredo, em artigo publicado pelo Projor.

“Eles representam um movimento dentro de um tabuleiro global maior, marcado por uma estratégia de expansão econômica baseada no que se denominou chamar de ‘Nova Rota da Seda’”, argumenta. A estratégia — Belt and Road Initiative (BRI) —  trata-se de um conjunto de regras voltadas a conectar o país asiático a diversas regiões do mundo por meio de grandes projetos de investimento.

Para Alfredo, essa concentração de capital em tecnologia e infraestrutura tem o efeito de desafiar a hegemonia estabelecida pelo eixo tradicional Estados Unidos–Europa Ocidental, criando um novo espaço para a inserção internacional dos países do Sul Global.

Brasil enquanto peça estratégica no Cone Sul 

No contexto sul-americano, o Brasil ocupa uma posição estratégica, tanto pela abundância de recursos naturais quanto pelo seu potencial de conectividade regional. “O Brasil é um celeiro da matéria-prima que ela [Mixue] consome”, afirmou Roberto Kanter, professor de MBAs da FGV, em entrevista ao O Globo, ao comentar o interesse da rede chinesa Mixue no mercado brasileiro.

Para André Vargas, diretor de Produtos da Jovi — marca chinesa que iniciou a fabricação de celulares no Brasil em janeiro —, o país tem um papel central na estratégia de expansão internacional da empresa: “Embora toda a América Latina seja relevante, o Brasil se destaca pelo tamanho, maturidade e exigência do mercado”, disse ao O Globo.

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Lucas Machado

Redator e psicólogo com mais de 3 anos de experiência na produção de artigos e notícias sobre uma ampla gama de temas. Suas áreas de interesse e expertisse incluem previdência, seguros, direito sucessório e finanças, em geral. Atualmente, faz parte da equipe do Melhor Investimento, abordando uma variedade de tópicos relacionados ao mercado financeiro.