Em um movimento sem precedentes, senadores protocolaram na última quarta-feira (16) um pedido de impeachment contra a ministra do STF Cármen Lúcia, alegando quebra de decoro em declaração feita durante julgamento no Supremo. O pedido reacende o debate sobre os limites do Judiciário e o equilíbrio entre os poderes no Brasil.

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O pedido de impeachment contra Cármen Lúcia foi assinado por três senadores: Eduardo Girão (Novo-CE), Magno Malta (PL-ES) e Carlos Portinho (PL-RJ). O grupo formalizou a solicitação no Senado, argumentando que a ministra violou o decoro exigido pelo cargo ao se referir aos cidadãos brasileiros de forma considerada ofensiva.

A fala que motivou o pedido foi proferida por Cármen Lúcia em 26 de junho, durante sessão do Supremo Tribunal Federal que discutia a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). Durante sua manifestação, a magistrada afirmou ser necessário “impedir que 213 milhões de pequenos tiranos soberanos dominem os espaços digitais no Brasil”.

A frase, embora feita no contexto da regulação de conteúdos em plataformas digitais, foi interpretada pelos senadores como um ataque generalizado à população brasileira. Segundo eles, a ministra incorreu em discurso intimidatório e desrespeitoso ao se referir aos cidadãos como “tiranos”.

Senadores citam violação à Constituição no pedido de impeachment

Para justificar a medida, os senadores apontam que a ministra teria violado os incisos IV e IX do artigo 5º da Constituição Federal, que asseguram a livre manifestação do pensamento e a liberdade de expressão.

Em suas redes sociais, o senador Eduardo Girão afirmou que a fala de Cármen Lúcia representa “um discurso intimidatório contra o povo brasileiro”, e que atitudes como essa são incompatíveis com o comportamento esperado de um membro da mais alta Corte do país.

De acordo com o documento protocolado, a magistrada teria usado sua posição institucional para defender restrições amplas e genéricas à liberdade de expressão online, o que, segundo os autores, compromete princípios constitucionais fundamentais.

Contexto: julgamento sobre o Marco Civil da Internet

A fala de Cármen Lúcia ocorreu durante a análise do artigo 19 do Marco Civil da Internet, legislação que estabelece regras sobre o funcionamento da internet no Brasil, especialmente no que diz respeito à responsabilidade de plataformas digitais por conteúdos publicados por usuários.

Atualmente, o artigo determina que empresas de tecnologia só devem ser responsabilizadas judicialmente caso não retirem o conteúdo após ordem da Justiça. No entanto, esse entendimento tem sido contestado no STF, com ministros defendendo mudanças para ampliar a responsabilização das plataformas.

O julgamento, que tem forte impacto nas discussões sobre liberdade de expressão nas redes sociais, mobiliza juristas, parlamentares, entidades civis e empresas do setor. A fala da ministra, nesse contexto, causou forte repercussão por ter envolvido um juízo de valor generalizado sobre o comportamento da população brasileira nas plataformas digitais.

Impeachment de ministros do STF: precedente inédito no Brasil

O pedido de impeachment contra Cármen Lúcia não é o único já apresentado contra ministros do Supremo Tribunal Federal. Contudo, nenhum deles foi adiante até hoje, e nenhum magistrado da Corte foi efetivamente destituído do cargo. A situação, portanto, configura um cenário inédito na história institucional do país.

Para que um pedido como este avance, é necessário que o presidente do Senado aceite sua tramitação, o que envolve uma avaliação política e jurídica criteriosa. O rito do processo de impeachment de ministros do STF é definido pela Lei nº 1.079/1950, que também trata dos crimes de responsabilidade do presidente da República e de outras autoridades.

Apesar das controvérsias que envolvem a iniciativa, o caso reacende o debate sobre a limitação de poderes e o papel das instituições democráticas. Críticos acusam o STF de extrapolar suas competências, enquanto defensores da Corte ressaltam a necessidade de preservar sua independência diante de ataques políticos.