Recentemente, a 6ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo (SP) tomou uma decisão inovadora que tem repercutido no meio jurídico. A decisão, considerada “inovadora” por tributaristas, afastou a cobrança de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) sobre heranças ou doações de bens no exterior, um entendimento que vai além das situações definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em um julgamento anterior sobre o tema.

Essa interpretação ampliada da decisão do STF tem sido adotada por juízes de primeira e segunda instâncias, que estão afastando a cobrança do ITCMD sobre bens localizados fora do Brasil. Isso reflete um alargamento interpretativo da decisão do STF, que estabeleceu diretrizes específicas para a cobrança desse imposto.

A decisão do STF sobre cobrança do ITCMD

Em 2021, os ministros do STF decidiram que os estados e o Distrito Federal só poderiam cobrar o ITCMD se fosse editada uma lei complementar, algo que ainda não ocorreu. Durante o julgamento, os magistrados modularam os efeitos da decisão, determinando que a partir de abril daquele ano, o imposto não poderia mais ser exigido. Além disso, ações judiciais em andamento tiveram o tributo excluído.

Contudo, o STF não abordou especificamente as discussões no âmbito administrativo, como no caso recente analisado pela 6ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo. O processo em questão envolve uma cobrança de R$ 6,9 milhões de ITCMD contra um brasileiro que recebeu como herança um imóvel em Mônaco de sua avó.

Detalhes do caso específico

No caso específico, o contribuinte inicialmente obteve uma decisão favorável em primeira instância. No entanto, essa decisão foi revertida por maioria de votos no Tribunal de Impostos e Taxas (TIT). Diante da cobrança, o contribuinte recorreu à Justiça com um mandado de segurança.

Mariana Zonenschein, advogada do contribuinte, argumentou que o STF havia sido claro ao determinar a não incidência do ITCMD na ausência de uma lei complementar. Ela destacou que, apesar dessa determinação, o Estado continuava cobrando o imposto sem respaldo legal. Essa alegação foi levada em consideração pela Justiça.

Decisão da 6ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo

Ao analisar o caso, a juíza Cynthia Thome da 6ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo referiu-se ao julgamento do STF, afirmando que, embora houvesse a modulação dos efeitos, essa modulação não seria aplicável. Isso porque o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) já havia reconhecido a inconstitucionalidade da Lei nº 10.705/00, que instituiu a cobrança do ITCMD, desde 2011.

Diante da falta de uma lei complementar sobre o assunto, a juíza concluiu que seria inviável a incidência do ITCMD em transmissões realizadas no exterior por pessoas com domicílio ou residência fora do Brasil. Esta interpretação ampliada reflete uma mudança significativa na abordagem judicial sobre o tema.

Além deste caso, outros processos na Justiça têm visto contribuintes bem-sucedidos em suas tentativas de impedir a cobrança do ITCMD. Em um caso na 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a decisão foi unânime e favorável a um herdeiro que recebeu ações e cotas de empresas com sede no exterior de seus pais. Ele recebeu os valores em dinheiro, e a Justiça decidiu em seu favor.

Impacto da reforma tributária

A situação atual tende a mudar com a implementação da reforma tributária. A emenda constitucional resultante da reforma confirma que estados e o Distrito Federal poderão cobrar o ITCMD sobre doações ou heranças provenientes do exterior, desde que uma lei complementar seja editada. Com a aprovação da reforma, o ITCMD passará a ter uma alíquota progressiva, aumentando de acordo com o valor do patrimônio.

Essa mudança busca trazer mais clareza e regulamentação para a cobrança do ITCMD, adaptando a legislação às realidades atuais e às decisões judiciais recentes. A expectativa é que, com a nova legislação complementar, haja uma uniformidade na aplicação do imposto, garantindo segurança jurídica para os contribuintes e estados.

Julia Peres

Redatora do Melhor Investimento.