Quando o valor da transação depende do futuro: o papel do earn-out em M&A
O earn-out é uma cláusula bastante usada em operações de M&A que condiciona parte do pagamento a metas de desempenho futuras, ajudando a resolver impasses negociais entre comprador e vendedor. Apesar de útil, pode gerar desafios como subjetividade nas métricas e incentivos a decisões de curto prazo.
Com esse nome complicado e sem tradução literal para o português, a cláusula do earn-out pode parecer um mistério à primeira vista. Mas, por trás dessa terminologia técnica está uma solução para impasses em negociações de fusões e aquisições (M&A).
Imagine o seguinte cenário: você está negociando a venda da sua empresa e acredita que ela vale R$ 150 milhões. O comprador, por outro lado, só aceita pagar R$ 100 milhões, pois tem dúvidas sobre suas projeções de crescimento futuro. E agora, como resolver isso? Temos um impasse, certo?
O earn-out ajuda a resolver esse tipo de disputa. Com ele, uma parte do pagamento é condicionada ao atingimento de metas ou resultados futuros da empresa após a venda. Isso quer dizer que, se a empresa atingir certos marcos — como crescimento de receita ou aumento no número de clientes — o vendedor pode receber um valor adicional além do preço inicial.
Do ponto de vista do comprador, o earn-out acaba sendo uma importante ferramenta de mitigação de riscos, uma vez que parte do pagamento ocorrerá apenas se os resultados promissores forem entregues. De forma secundária, dependendo do prazo do earn-out, a cláusula pode servir também como ferramenta adicional de financiamento da operação, tendo em vista que o comprador terá mais tempo para fazer o pagamento integral da transação.
O que é earn-out?
Na prática, o earn-out define metas de desempenho a serem atingidas dentro de um período específico. Essas metas podem incluir indicadores como crescimento de receita, EBITDA (Lucros antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização), número de usuários ou clientes, entre outros.
Um exemplo foi a aquisição do WhatsApp pelo Facebook (Meta) em 2014. A transação totalizou US$ 19 bilhões, dos quais US$ 4 bilhões foram pagos em dinheiro e US$ 12 bilhões em ações do Facebook. No entanto, uma parte do valor — até US$ 3 bilhões — foi condicionada ao desempenho futuro da plataforma, sob a forma de um earn-out.
Nessa transação, o earn-out estava vinculado a uma métrica muito específica: o crescimento da base de usuários ativos mensais (MAUs) do WhatsApp. Se o aplicativo atingisse a marca de 1 bilhão de MAUs dentro de um período de 4 anos após a aquisição, os fundadores do WhatsApp seriam recompensados com o valor adicional de US$ 3 bilhões.
Em 2016, apenas 2 anos após a aquisição, o WhatsApp alcançou esse marco, validando as previsões de crescimento e assegurando o pagamento completo do earn-out aos fundadores.
Casos Reais de Uso de Earn-out
Além do WhatsApp, há outros exemplos em que vemos como o earn-out foi utilizado para viabilizar transações de M&A:
PopCap e Electronic Arts (EA)
A Electronic Arts adquiriu a PopCap Games em 2011 por cerca de US$ 650 milhões em um negócio que incluía um pagamento inicial em dinheiro e ações, além de um possível pagamento adicional de até US$ 550 milhões, dependendo de metas de desempenho.
Esse pagamento adicional estava vinculado a fatores como o lançamento bem-sucedido de novos jogos pela PopCap e o desempenho financeiro desses títulos, como “Plants vs. Zombies” e “Bejeweled”. Caso essas metas fossem atingidas, a EA pagaria mais aos antigos acionistas da PopCap.
Marvel e Disney
Quando a Disney adquiriu a Marvel Entertainment em 2009 por US$ 4 bilhões, o acordo incluía cláusulas de desempenho futuro, embora os detalhes exatos do earn-out não sejam amplamente divulgados. A ideia geral era que o valor da aquisição seria ajustado de acordo com o sucesso de determinados personagens e franquias, como os filmes do Homem de Ferro e Capitão América.
As personagens, posteriormente, provaram ser extremamente lucrativas, com as produções da Marvel Cinematic Universe (MCU) tornando-se fenômenos de bilheteria: US$ 2,423 bilhões para a trilogia de Homem de Ferro e US$ 2,237 bilhões para a trilogia de Capitão América.
Pontos de Atenção no Uso de Earn-out
Um dos maiores riscos associados ao earn-out é a subjetividade de algumas métricas. Metas como “satisfação do cliente” ou “qualidade do produto” podem ser difíceis de medir e abrir margem para disputas entre as partes. Esses conflitos podem levar à judicialização da cláusula, já que uma parte pode contestar se os requisitos do earn-out foram de fato atingidos. Para evitar isso, é importante definir metas claras e métricas mensuráveis, como crescimento de receita ou número de usuários.
Outro ponto de atenção é o incentivo a comportamentos de curto prazo. Quando o vendedor permanece à frente da operação após a aquisição, ele pode priorizar o alcance das metas de earn-out em detrimento do desenvolvimento de longo prazo da empresa. Por exemplo, pode focar em aumentar receitas rapidamente, mas comprometer a sustentabilidade do negócio ou a qualidade dos produtos e serviços.
Esse é um comportamento que pode prejudicar o negócio no longo prazo, e por isso, compradores devem monitorar de perto a gestão da empresa adquirida e alinhar as metas do earn-out com uma estratégia de crescimento sustentável.
Afinal, o uso do earn-out impacta o valor justo da transação?
A inclusão de uma cláusula de earn-out em uma transação de M&A pode ser uma solução eficaz para resolver divergências de valor entre comprador e vendedor, mas ela traz consigo desafios que precisam ser cuidadosamente avaliados.
Dito isso, será que o uso dessa cláusula impacta o valor justo da transação? A verdade é que o earn-out pode tanto aproximar as expectativas quanto criar distorções. Como toda negociação, o que parece justo depende de como a história é contada – e de quem está escrevendo as regras.
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