A recente ascensão de Javier Milei à presidência da Argentina trouxe consigo um novo olhar para a economia do país, com o foco em reformas audaciosas e uma promessa de recuperação econômica. Uma das referências que o presidente argentino tem citado com frequência em seus discursos é a Irlanda, que nos últimos 30 anos transformou sua economia de uma das mais pobres da Europa para uma das mais ricas. No entanto, especialistas irlandeses alertam para a complexidade dessa comparação, destacando nuances importantes que podem ser ignoradas ao focar apenas no PIB per capita como indicador de sucesso econômico.

Milei e sua visão sobre a transformação econômica da Argentina

Desde que assumiu a presidência, Javier Milei tem mostrado grande admiração pela trajetória econômica da Irlanda. O presidente argentino frequentemente menciona a ilha como um exemplo de sucesso para a recuperação econômica de seu país. Durante um discurso em outubro na cidade de Mar del Plata, Milei afirmou que sua visão para a Argentina segue o modelo irlandês, que ele descreve como uma transformação impressionante: “A Irlanda passou de ser o país mais miserável da Europa há 40 anos para ter hoje um PIB per capita 50% maior do que o dos Estados Unidos”.

Essa comparação tem atraído atenção tanto na Argentina quanto na Irlanda. A embaixada irlandesa em Buenos Aires organizou eventos para explicar como o país europeu conseguiu superar crises e alcançar crescimento econômico consistente. Alan Barrett, economista e diretor do Instituto de Pesquisa Econômica e Social de Dublin, foi um dos principais representantes enviados à Argentina para esclarecer as nuances da economia irlandesa.

Economistas irlandeses alertam para a complexidade da comparação

Embora o foco de Milei seja o PIB per capita, que é uma medida tradicional do crescimento econômico, Barrett e outros economistas irlandeses enfatizam que essa métrica não é a mais precisa para entender a realidade econômica da Irlanda. De acordo com Barrett, o PIB da Irlanda é frequentemente inflacionado por grandes empresas multinacionais, como Apple e Meta, que têm suas sedes europeias no país. Essas empresas geram receitas substanciais, mas grande parte dessa renda é repatriada para suas matrizes e não se reflete diretamente na economia doméstica.

Barrett explica que, para entender de forma mais precisa o desempenho econômico da Irlanda, é necessário olhar para a Renda Nacional Bruta (RNB), que exclui os efeitos da renda corporativa externa. Ao considerar a RNB, a Irlanda ainda apresenta um bom desempenho, embora não com os números extraordinários que o PIB per capita sugere. O Ministério das Finanças da Irlanda, por exemplo, utiliza a demanda doméstica modificada para medir a atividade econômica real, que abrange gastos pessoais, governamentais e de investimento dentro do país.

O papel dos investimentos em educação e infraestrutura na história irlandesa

Outro ponto fundamental apontado por Barrett para entender o sucesso econômico da Irlanda é o investimento do governo em áreas chave como educação e infraestrutura. Durante as últimas décadas, o governo irlandês fez investimentos significativos nesses setores, o que ajudou a criar um ambiente favorável aos negócios e a atrair grandes empresas internacionais. Isso é especialmente importante para a Irlanda, pois sua economia se beneficia imensamente de grandes investimentos corporativos, principalmente no setor de tecnologia e telecomunicações.

Ao contrário da abordagem adotada por Milei, que cortou substancialmente os gastos públicos, incluindo nas áreas de educação e infraestrutura, a Irlanda utilizou esses investimentos como um pilar de seu crescimento econômico. O sucesso da Irlanda não pode ser atribuído apenas à redução de impostos corporativos, mas sim à criação de uma base sólida que permitiu que as empresas se estabelecessem e prosperassem no país.