Recuperação judicial (RJ): o que acontece com as ações?
Você sabe o que acontece com as ações em caso de recuperação judicial? Veja como funciona esse processo e como isso afetar os investidores.
O termo recuperação judicial tem sido muito discutido nas últimas semanas após o caso das Americanas. A empresa divulgou um rombo contábil, que acabou ocasionando um derretimento em suas ações.
Com essa situação, muitos compradores de ações da empresa estão preocupados com o que vem a seguir. A principal dúvida é se existe a possibilidade de indenização por conta da perda destas ações.
Neste artigo vamos destrinchar um pouco mais esse assunto para ficar mais fácil entender. Acompanhe:
O que é recuperação judicial?
Basicamente, a recuperação judicial é uma medida que as empresas tomam em um momento de crise financeira para evitar sua quebra.
O principal objetivo é reduzir os danos aos sócios, fornecedores, prestadores de serviços e colaboradores. De forma geral, a ideia é proteger todos aqueles que têm algum tipo de envolvimento com a empresa, inclusive os clientes.
Ao pedir recuperação judicial, a organização tenta que seja feito um acordo com o credor. Caso o resultado seja positivo, fica mais fácil garantir que não haja demissões em massa.
Vale ressaltar que para o governo também é importante que uma empresa consiga um bom resultado com o acordo, pois se torna possível manter o pagamento dos impostos.
Outro grande objeto da RJ é a possibilidade de que a companhia solicitante possa sair da crise e voltar a operar em boas condições.
Lei 14.112/20
No início de 2021 foi aprovada e sancionada a Lei 41.112/20, que apresentou novas regras à recuperação judicial.
Uma das principais mudanças tem relação com os financiamentos, que são permitidos para empresas que estejam no processo de RJ. Além disso, há a possibilidade de parcelamento em dívidas tributárias federais.
Para o caso de um pedido de empréstimo, o dono da empresa necessitará de uma autorização judicial. Em alguns casos pode ser preciso apresentar garantias para que o crédito seja aprovado. Isso acontece porque essa é uma transação de risco para as instituições financeiras.
Outro ponto do texto diz que se a empresa decretar falência antes da liberação de todo o valor do financiamento, não será necessário pagar juros e encargos.
Essa lei ainda permite que um produtor rural — mesmo que seja pessoa física — possa pedir recuperação judicial.
É imprescindível que a empresa faça o pedido de RJ dentro de um tempo hábil. Ou seja: a situação financeira não pode estar demasiadamente deteriorada, pois, é possível que o juiz entenda que não existe chance de recuperação, sendo assim decretada a falência.
Quais empresas podem pedir recuperação judicial?
Uma empresa que seja registrada no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) pode entrar com pedido de recuperação judicial. Mas é preciso ressaltar que é obrigatório que ela esteja em atividade por pelo menos dois anos.
Alguns tipos de empresas não têm o direito de pedir RJ, mesmo que tenham CNPJ regularizado. São elas: ONGs cooperativas, instituições financeiras, Sociedades de economia mista, organizações públicas, entre outras.
Em caso de falecimento do proprietário, outro representante pode fazer a solicitação. A lei permite que os herdeiros, inventariantes, cônjuges ou sócios podem fazer o pedido da RJ.
Requisitos para o pedido de RJ
Existe outra lei, de 2005, que deve ser consultada quando houver alguma dúvida sobre quem pode ou não pedir a recuperação judicial. O Art. 48 da Lei 11.101/05 diz o seguinte:
- não ter tido falência decretada;
- se tiver tido falência decretada anteriormente, que a mesma já tenha sido julgada, retirando as responsabilidades dos proprietários;
- não ter conseguido recuperação judicial em cinco anos anteriores;
- não ter sido condenado pelos crimes previstos na Lei de Recuperação e Falências.
Como funciona esse processo?
O processo de recuperação judicial passa por diversas fases. Veja como funciona cada uma delas:
Solicitação de recuperação
O primeiro passo consiste em fazer o pedido da RJ. Para isso é preciso fazer uma petição inicial, mostrando como está a situação do patrimônio para justificar este pedido.
É importante anexar a maior quantidade possível de documentos que comprovem as condições financeiras da empresa. Dentre o que deve ser apresentado estão: extratos das contas bancárias, comprovantes de fluxo de caixa, demonstrativos de resultados, entre outros.
Outro ponto muito importante é mostrar quais são as principais partes da empresa que serão afetadas pela crise, como os funcionários e credores. Esse trecho pode ser montado em forma de lista.
No Art. 51 da Lei 11.101/05 é possível conferir os principais itens para montar um pedido de recuperação judicial.
Paralisação das cobranças
Se o pedido de recuperação judicial for deferido pelo juiz, chega a hora de seguir para as próximas etapas.
Em caso de aceite preliminar, as cobranças da empresa devedora devem ficar suspensas por um período inicial de 180 dias.
Caso o resultado seja o oposto e o juiz acredite não haver possibilidade de recuperação, a empresa passa a ter a falência decretada.
Escolha de um administrador
Em caso de deferimento, o juiz precisa definir quem será o administrador judicial do caso. Normalmente, a pessoa escolhida costuma ser um advogado especializado nessas situações.
O profissional selecionado precisa ser imparcial e tem como principais funções: entrar em contato com os credores para sanar todas as suas dúvidas, contratar empresas e/ou pessoas para continuar o processo de recuperação, entre outros.
Planejamento
A quarta fase do processo de recuperação judicial consiste em iniciar o plano de recuperação.
Após o deferimento do pedido, a empresa tem até 60 dias para apresentar seu plano de organização financeira. Nele deve constar informações de como a companhia pretende fazer o pagamento aos seus credores.
Neste documento é imprescindível que haja detalhes de como serão cumpridas as obrigações financeiras e fiscais da empresa.
Todas as providências a serem tomadas precisam estar descritas adequadamente, por exemplo: pedido de empréstimos, negociação de dívidas, entrada de novos sócios etc.
Aprovação do plano
Com o plano de recuperação pronto, chega a hora de apresentá-lo ao magistrado, que precisa aprovar. Isso só acontece se os credores não apresentarem nenhum tipo de objeção.
Vale ressaltar que os credores só podem apresentar objeções dentro do prazo de 30 dias após a apresentação do plano, de acordo com o Art. 55 da Lei 11.101/05.
Caso ocorra objeção, o juiz deve solicitar uma Assembleia Geral de Credores, que precisa acontecer dentro do prazo de 150 dias.
Na assembleia serão apresentadas novas possibilidades e com elas podem ocorrer três possibilidades: aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação criado.
Execução
A última etapa da recuperação judicial é a execução. Esse processo é feito e acompanhado pelo administrador judicial, que tem a obrigação de manter o juiz sempre em dia com as informações.
Se o plano for aprovado, mas não for cumprido integralmente, o magistrado pode decretar a falência da empresa.
Qual a diferença entre recuperação judicial e falência?
Em ambos os casos a empresa em questão precisa dar satisfações sobre suas dívidas. Mas existe uma grande e principal diferença nestas duas opções.
A recuperação judicial consiste em tentar dar continuidade no empreendimento. Dessa forma, a empresa ganha tempo para tentar recuperar sua capacidade de pagar as contas e gerar lucro.
Já no caso da falência, o empreendimento acaba fechando as portas, pois não há evidências de que o negócio tenha chances de sobreviver.
Em resumo, a RJ é ativada quando há possibilidade de que a empresa se mantenha ativa, apresentando manutenção dos empregos. Mas isso só ocorre se houver o comprometimento de pagamento das dívidas.
Os acionistas podem cobrar indenização da empresa?
Um acionista minoritário pode solicitar uma indenização enquanto a empresa estiver passando pela recuperação judicial. Isso pode ser feito se a empresa for participante do Novo Mercado da B3.
O pedido de indenização não deve ser enviado ao Judiciário, mas sim para uma câmara arbitral. Isso acontece porque para fazer parte do Novo Mercado, uma companhia precisa aceitar a condição de se submeter a uma arbitragem, em casos de impasse com acionistas.
Outro ponto importante é que o acionista também concorda com esta cláusula do contrato, quando faz a aquisição de ações de empresas incorporadas a este segmento. Dessa forma, fica estipulado que qualquer problema nesse sentido não pode ser resolvido judicialmente.
A grande questão é que, no caso de uma arbitragem, não está especificado um prazo para que o problema seja solucionado.
É importante ainda ressaltar que, quanto mais acionistas envolvidos no processo, maiores as chances de que o problema tenha um prazo de conclusão ainda maior.
Quais empresas já pediram recuperação judicial no Brasil?
Ambipar (AMBP3)
O Grupo Ambipar entrou com pedido de recuperação judicial em outubro de 2025, após uma crise causada por irregularidades financeiras e pela saída repentina do CFO. A companhia soma cerca de R$ 11 bilhões em dívidas e tenta preservar suas operações e empregos enquanto busca uma reestruturação completa. Paralelamente, a subsidiária Ambipar Emergency Response também pediu proteção sob o Chapter 11 nos Estados Unidos.
Americanas
A Americanas S.A. protagonizou um dos maiores escândalos corporativos do país ao revelar um rombo contábil de mais de R$ 40 bilhões, que levou ao pedido de recuperação judicial em 2023. O caso abalou o mercado e provocou uma das maiores crises de governança da história recente do varejo brasileiro.
Ricardo Eletro
A antiga gigante do varejo, com mais de 260 lojas físicas, entrou com pedido de recuperação judicial após acumular um rombo superior a R$ 4 bilhões. A empresa, que enfrentou falências em 2022, hoje atua apenas no e-commerce e ainda aguarda definição de seu caso no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Oi
A operadora Oi entrou com recuperação judicial em 2016, acumulando R$ 65 bilhões em dívidas com mais de 55 mil credores. O plano incluiu a venda de ativos e negociações com a Anatel e a Advocacia-Geral da União (AGU), que resultaram no perdão de parte dos débitos. O processo é um dos mais emblemáticos da história empresarial brasileira.
Construtora Rossi
Em 2022, a Construtora Rossi protocolou seu pedido de recuperação judicial ao atingir uma dívida líquida de R$ 611,4 milhões e ter apenas R$ 10 milhões em caixa. A crise provocou forte desvalorização de suas ações, que caíram mais de 80% no período.
IGB Eletrônica (Gradiente)
Dona da marca Gradiente, a IGB Eletrônica entrou com pedido de recuperação judicial em 2018, após acumular dívidas de R$ 442 milhões. A companhia foi um ícone da indústria eletrônica nacional, mas não resistiu à concorrência internacional e à queda nas vendas.
Saraiva
A tradicional livraria Saraiva pediu recuperação judicial em 2018, com passivo de R$ 675 milhões. A crise levou ao fechamento de dezenas de lojas e à retirada de suas ações da Bolsa. A empresa tenta encerrar suas dívidas por meio de um acordo que, no entanto, pode extinguir o valor de seus papéis.
Renova Energia
Com um rombo de R$ 3 bilhões, a Renova Energia teve seu pedido de recuperação aprovado em 2020. A companhia, que atua no setor de energia renovável, ainda está em processo de reestruturação e passou por mudanças na diretoria para tentar retomar a estabilidade financeira.
Hotéis Othon
A rede Hotéis Othon entrou com pedido de recuperação judicial em 2018, alegando dívidas de R$ 337 milhões. Tentou vender o icônico Othon Palace, mas não encontrou compradores. Após a pandemia, a empresa conseguiu melhorar suas finanças e reduzir parte das dívidas.
Itapemirim
O grupo Itapemirim entrou em recuperação judicial em 2016, com R$ 2,4 bilhões em dívidas. Mesmo em crise, lançou a companhia aérea ITA, que durou apenas seis meses. A empresa acabou tendo bens arrematados pela Justiça e foi declarada falida em 2022.
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