Mercado de Fiagros enfrenta “dores do processo de maturação”, diz especialistas
A modificação nas regulamentações, atrasos no pagamento de alguns títulos e desafios na área de grãos provocaram os primeiros sinais de estresse no mercado de Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais (Fiagros). Contudo, talvez seja excessivo usar a palavra “crise” para descrever essa agitação. De acordo com especialistas, são dificuldades decorrentes de um processo natural […]
Mercado de Fiagros enfrenta "dores do processo de maturação", diz especialistas
A modificação nas regulamentações, atrasos no pagamento de alguns títulos e desafios na área de grãos provocaram os primeiros sinais de estresse no mercado de Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais (Fiagros). Contudo, talvez seja excessivo usar a palavra “crise” para descrever essa agitação. De acordo com especialistas, são dificuldades decorrentes de um processo natural de amadurecimento, e as lições aprendidas agora serão cruciais para consolidar esse novo instrumento, considerado uma das principais alternativas para expandir o crédito privado e a participação de investidores da Faria Lima no setor agrícola brasileiro.
Em fevereiro, sob a ameaça de uma quebra na safra e a constante queda nos preços dos grãos – uma combinação que tornou os investidores pessoa física mais cautelosos em relação às apostas no agronegócio – ocorreu uma mudança estrutural que inicialmente complicou as operações. O Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleceu critérios mais rigorosos para a emissão de títulos incentivados, como LCIs, LCAs, CRIs e CRAs, e empresas sem vínculos diretos com o agronegócio foram proibidas de emitir CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), que são os principais ativos dos Fiagros.
No entanto, como observa Pedro Freitas, sócio e responsável pelo setor agrícola no Investment Banking da XP, a mudança nas regras também resultou em um retorno significativo das empresas autorizadas a emitir CRAs, e atualmente há muitas operações em andamento. “A demanda dos investidores continua forte e tende a aumentar, especialmente com a redução da taxa básica de juros, que estimula a busca por alternativas. Em termos de fluxo de mercado, estamos otimistas”, afirma Freitas à IM Business. A XP lidera a distribuição de Fiagros no país, com uma participação de cerca de 60%.
Emissões de Fiagros
De acordo com informações da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as ofertas públicas de Fiagros totalizaram R$8,8 bilhões no ano passado, representando um aumento de 20,8% em relação a 2022. As emissões de cotas de Fiagros-FIIs (Fundos Imobiliários) alcançaram R$7,2 bilhões, enquanto as de Fiagros-FDICs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios) atingiram R$1,6 bilhão. No geral, a captação líquida (diferença entre investimentos e resgates) dos Fiagros alcançou R$3,8 bilhões, em comparação com R$3,7 bilhões no ano anterior.
Em fevereiro, as ofertas públicas arrecadaram R$91,4 milhões, representando um aumento em relação a janeiro (R$75,4 milhões), porém uma queda significativa em comparação com fevereiro de 2023 (R$404,2 milhões). A captação líquida foi de R$52,8 milhões, inferior a janeiro (R$96,6 milhões), mas em contraste com o mesmo período do ano anterior, quando foi negativa em R$1,3 milhão. O patrimônio líquido dos Fiagros atingiu R$34,7 bilhões em fevereiro, registrando um aumento de 262,8% em comparação com o mesmo mês do ano anterior.
Juntamente com os números divulgados de fevereiro, Sergio Cutolo, vice-presidente da Anbima, enviou um comunicado afirmando que “são dados encorajadores para os Fiagros no início de 2024, evidenciando um produto que tem conquistado cada vez mais espaço nas carteiras dos investidores e que contribui para o financiamento do agronegócio”.
Posicionamento do gestor
Quanto ao atraso no pagamento de alguns poucos CRAs nos últimos meses – menos de uma dezena -, Pedro Freitas pondera que, à medida que as emissões se multiplicam e empresas com classificações de risco menos elevadas recorrem a elas, aumentam as chances de problemas surgirem. “É crucial que a relação ‘risco x retorno’ seja cuidadosamente considerada. À medida que descemos na hierarquia de risco, é natural que encontremos obstáculos. E quando surgem problemas, é essencial saber lidar com eles. Essa é a verdadeira arte do gestor de Fiagro”, afirmou. E é importante ressaltar que se trata do setor agrícola, com suas incertezas climáticas e volatilidade de preços.
Freitas acrescentou que “com as mudanças promovidas pelo CMN e a redução dos spreads, torna-se mais desafiador para o Fiagro manter sua competitividade. As gestoras precisarão ter cautela para evitar assumir riscos excessivos”. O executivo acredita que as emissões de Fiagros continuarão a crescer em 2024 e, com a queda das taxas de juros, fundos alternativos como os de private equity, “land equity” e de desenvolvimento de terras, poderão ganhar mais destaque.
Transformações de terras
Esse panorama é motivo de otimismo para a AGBI, gestora de um Fiagro que se baseia na estratégia de “aquisição-transformação-venda” de terras agrícolas, com a adoção de práticas sustentáveis e um prazo mais alongado de dez anos (prorrogáveis por mais dois). Luciano Lewandowski, sócio-fundador da AGBI, comentou que “a abordagem garante um alinhamento de longo prazo com as atividades agrícolas, permitindo uma compreensão aprofundada dos desafios e oportunidades do setor”, disse.
Lewandowski ainda observa que, enquanto a maioria dos Fiagros consiste em instrumentos de crédito, com prazos mais curtos, os fundos de equity, de longo prazo, são mais “resilientes”. Isso se deve ao fato de serem menos impactados por questões conjunturais, como quebras de safra e oscilações nos preços dos grãos, e mais ligados aos fundamentos de longo prazo do setor de agronegócios, que continuam favoráveis. O sócio-fundador da AGBI ainda lembra que poucos países no mundo têm condições de aumentar sua produção de alimentos para atender ao crescimento da demanda global nas próximas décadas, e o Brasil lidera essa corrida.