O governo federal está considerando impor novas restrições às emissões de debêntures incentivadas. A nova abordagem visa direcionar o uso desse instrumento, que oferece isenção de Imposto de Renda para investidores pessoas físicas, para setores que necessitam de financiamento mais acessível, como energia renovável, saneamento e linhas de transmissão. Consequentemente, o uso dessas debêntures será limitado para o setor de óleo e gás.

Segundo informações apuradas pelo jornal Valor, a ideia por trás dessa medida é restringir o uso dessas debêntures em setores onde a rentabilidade tem sido mais alta. Por isso, especificamente, haverá limitações para a indústria de óleo e gás, já que a mesma tem uma margem relevante e o financiamento acessível não é o fator determinante.

Sendo assim, o governo espera aumentar sua arrecadação em um momento em que busca ampliar suas fontes de receita. Ainda este ano, o Conselho Monetário Nacional (CMN) impôs uma série de restrições ao uso de lastro para emissão de alguns títulos incentivados, como certificados de recebíveis imobiliários (CRI), do agronegócio (CRA), letras de crédito imobiliário (LCI), do agronegócio (LCA) e letras imobiliárias garantidas (LIG).

Uma fonte próxima ao assunto destaca que, embora tenha havido expectativas sobre possíveis restrições baseadas no tamanho da empresa, semelhantes ao que foi feito no caso do CRA e do CRI, retirando as empresas de capital aberto da possibilidade de utilizar lastros de reembolso e similares, esse tipo de restrição não deve ocorrer.

O que pensam as empresas envolvidas?

No setor de óleo e gás, uma fonte afirma que, se a restrição for implementada, uma importante porta de financiamento para as empresas será fechada, especialmente para as menores, que têm acesso mais limitado ao financiamento do que a Petrobras.

Dentre as empresas do setor que recentemente captaram recursos por meio de debêntures incentivadas estão a PetroRio, que fez uma oferta de R$ 2 bilhões em fevereiro para financiar projetos de petróleo, a 3R Petroleum, que emitiu R$ 1 bilhão em papéis em novembro do ano passado, e a Enauta, que levantou R$ 1,1 bilhão com uma operação em setembro.

Uma medida adicional em estudo seria restringir o uso desses instrumentos para o pagamento de outorgas em leilões, o que poderia resultar em uma redução do valor pago nos certames. Essa limitação poderia ser aplicada tanto às debêntures incentivadas quanto às debêntures de infraestrutura, que foram estabelecidas por lei em janeiro deste ano, mas ainda não foram regulamentadas. “Isso seria extremamente prejudicial para Estados e municípios”, observa a fonte.

Além disso, empresas do setor privado também têm criticado a proposta. Percy Soares Neto, diretor-executivo da Associação Nacional das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon), em entrevista ao Valor, afirma que a movimentação fará com que os leilões sejam menos competitivos.

“Isso vai seguramente diminuir o apetite dos investidores para o pagamento de outorga e provavelmente vai aumentar o custo de capital dos projetos. Estamos muito preocupados”, diz. 

A proposta de restringir o uso das debêntures para o pagamento de outorgas nos leilões de infraestrutura parte de uma avaliação do governo federal de que os valores elevados acabam sendo suportados pelos usuários dos serviços. Isso ocorre porque as tarifas estabelecidas nos editais poderiam ser menores se os governos não buscassem maximizar suas outorgas na estruturação dos projetos. Além disso, o governo tem buscado promover licitações que tenham como critério a menor tarifa, em vez da maior outorga.

Embora reconheça que o diagnóstico esteja correto, Percy Soares acredita que o remédio de limitar as debêntures está equivocado. Para ele, “a melhor solução seria buscar um diálogo com quem faz a licitação.”, acrescenta.

Em fevereiro, o CMN também decidiu proibir ofertas de CRI e CRA de empresas abertas que não estão relacionadas aos dois setores. Por trás dessa decisão, estava o plano do governo de ampliar a arrecadação e aumentar a efetividade dos títulos, direcionando os recursos captados para o setor imobiliário e do agro.

Flexibilização no entendimento das normas

Desde 2016, houve uma flexibilização no entendimento das normas dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), e empresas que atuavam em diferentes áreas, como redes de restaurantes e supermercados, passaram a emitir títulos dessa natureza. A partir de 2022, também foi permitido que empresas que pagassem aluguel usassem esses contratos como lastro para emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), ampliando ainda mais o volume de ofertas.

Com a previsão de redução desses papéis, os investidores migraram para as debêntures incentivadas. As taxas dos títulos no mercado secundário caíram, e a demanda cresceu tanto que abriu espaço, inclusive, para ofertas sem uma remuneração adicional ao de um título de dívida do governo.

Ao mesmo tempo em que estuda restrições aos títulos incentivados, o governo trabalha na regulamentação de outro tipo de debênture, as de infraestrutura. A lei que criou o instrumento, que permite a isenção fiscal das empresas emissoras, foi sancionada no início de janeiro, mas até agora não foi publicado o decreto com detalhes como os setores que poderão emiti-las.

Segundo fontes, a expectativa é de que as regras sejam divulgadas até o fim da próxima semana. Elas também comentam que ainda não tiveram acesso à minuta da regulamentação.

Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que não vai comentar, “uma vez que o assunto ainda está em discussão no âmbito do governo federal”.