O grupo varejista Saint Marché, conhecido pelos seus supermercados voltados ao público de alta renda, entrou com um pedido na Justiça de São Paulo, na noite de ontem, para homologação de seu plano de recuperação extrajudicial. A decisão busca renegociar as dívidas que somam R$ 528 milhões diretamente com seus credores financeiros, sem recorrer a um processo judicial. A medida surge após uma série de investimentos de grande porte, que, aliados ao aumento da taxa de juros, colocaram a empresa em uma situação financeira delicada.

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O que motivou o pedido de recuperação extrajudicial?

O pedido de recuperação extrajudicial do Saint Marché é o reflexo de uma expansão acelerada durante a pandemia, com investimentos superiores a R$ 100 milhões. A empresa, que é dona de 31 supermercados em São Paulo, Santos e Campinas, além de unidades do Empório Santa Maria e operações no setor de e-commerce, enfrentou uma crescente dificuldade para lidar com a alta dos juros.

Nos últimos anos, a taxa de juros no Brasil saltou de 2% para 14,25%, o que tornou insustentáveis as dívidas de empresas com alto nível de alavancagem financeira. O Saint Marché, que fez grandes investimentos, como a inauguração de uma unidade do Empório Santa Maria dentro do luxuoso Eataly, viu suas despesas financeiras subirem vertiginosamente. De acordo com o consultor Alberto Sorrentino, especialista em varejo, “a empinada dos juros de 2% para 14,25% fez com que empresas alavancadas sofressem imensamente”.

Como será a reestruturação financeira?

O plano de recuperação extrajudicial prevê uma reestruturação substancial do passivo financeiro do grupo. Além da renegociação das dívidas, o Saint Marché contará com um empréstimo de R$ 127,5 milhões, que será utilizado para saldar parte de suas pendências com fornecedores e repor seus estoques. O fundo L Catterton, controlador da rede, contribuirá com um terço desse empréstimo, mas perderá sua posição majoritária na empresa, conforme parte do acordo.

De acordo com o plano, os credores financeiros serão pagos em parcelas que variam de sete a trinta anos, com correção pelo CDI e pela TR. Parte significativa do valor será destinada ao pagamento de fornecedores, que somam R$ 40 milhões em créditos a receber. Essa medida visa garantir a continuidade das operações da empresa sem prejudicar sua rede de fornecedores, fundamental para o funcionamento das lojas.

Expectativas de venda e futuro da rede

Embora o foco principal seja a recuperação financeira, a venda da rede Saint Marché também é uma possibilidade concreta. Informações obtidas por fontes próximas ao processo indicam que já há grupos de varejo interessados na compra da marca, tanto nacionais quanto internacionais. A expectativa é que, com a reestruturação concluída, a rede seja vendida, o que permitirá à empresa voltar a operar de forma saudável.

A recuperação extrajudicial no Brasil

O pedido do Saint Marché é o segundo maior pedido de recuperação extrajudicial no Brasil em 2024, superado apenas pela mineradora Araguaia Niquel Metais, que requereu a homologação de um plano com dívidas de R$ 2,4 bilhões. Segundo dados do Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial (Obre), o montante de dívidas renegociadas extrajudicialmente no país aumentou em 800% no primeiro trimestre de 2024, comparado ao mesmo período do ano anterior. O crescimento dessa prática demonstra um movimento crescente de empresas buscando soluções alternativas para lidar com a crise financeira sem recorrer ao processo judicial.

Como a crise financeira afeta o varejo brasileiro?

A crise financeira vivida por empresas como o Saint Marché não é isolada. O Brasil tem enfrentado uma série de dificuldades econômicas, com uma inflação crescente, aumento das taxas de juros e uma instabilidade política que afetou a confiança do consumidor. Renato Scardoa, advogado especializado em recuperação de empresas, lembra que “a inflação reduz o poder de compra da população, os juros elevados encarecem o crédito para consumidores e empresas, além da instabilidade econômica e política que afeta a confiança do consumidor.”

O mercado de varejo brasileiro tem se mostrado cada vez mais desafiador, com queda nas vendas, fechamento de lojas e dificuldade de acesso a linhas de crédito. A reestruturação financeira do Saint Marché reflete a tentativa de adaptação a esse cenário, com foco em manter a operação da rede e garantir a continuidade das suas atividades.

Fundação e crescimento do Saint Marché

Fundado em 2002 pelos empresários Bernardo Ouro Preto e Victor Leal, o Saint Marché se consolidou no segmento de supermercados de luxo, com um foco no público classe A. Em 2016, o fundo L Catterton adquiriu o controle da empresa, injetando R$ 226 milhões para alavancar seu crescimento. A partir de então, o grupo passou a expandir agressivamente, mas os investimentos e a falta de previsibilidade do cenário econômico resultaram na atual crise.

Em 2021, o grupo tentou abrir o capital, mas o cenário macroeconômico não foi favorável, e a tentativa foi frustrada. Em 2023, o faturamento do grupo foi de R$ 1,1 bilhão, mas, apesar disso, a empresa não conseguiu operar com lucro. Hoje, a reestruturação busca garantir a viabilidade do negócio e preparar o terreno para a possível venda da marca, algo que pode resultar na recuperação da saúde financeira da rede.