Apenas 14% das emendas Pix foram justificadas; R$ 3,8 bilhões seguem sem explicação
Levantamento revela baixa transparência na destinação de verbas públicas enviadas por parlamentares a estados e municípios

Um novo estudo da organização Transparência Brasil, divulgado pelo jornal O Globo, revelou um grave problema na prestação de contas das chamadas emendas Pix. Apenas 14% dos recursos repassados por meio desse mecanismo no primeiro semestre de 2024 tiveram sua aplicação devidamente registrada. Ao todo, deputados e senadores direcionaram R$ 4,48 bilhões para estados e municípios, mas R$ 3,8 bilhões permanecem sem destino claramente identificado.
Criadas para facilitar o envio de verbas da União a entes federativos, as emendas Pix têm se tornado foco de críticas devido à falta de controle e rastreabilidade. Os recursos sem comprovação de uso foram enviados a 22 estados e mais de 2.700 municípios, o que representa quase metade das cidades brasileiras.
O que são as emendas Pix e por que geram preocupação
As emendas Pix foram criadas em 2019 como uma forma de acelerar o repasse de recursos federais para estados e municípios. A principal característica desse modelo é a ausência de exigência de convênios, licitações ou planos de trabalho prévios. O nome “Pix” vem da semelhança com o sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, que também opera com rapidez.
No entanto, essa mesma agilidade trouxe consigo um problema estrutural: a falta de transparência. Ao permitir transferências diretas e imediatas, as emendas dispensam os mecanismos tradicionais de fiscalização, dificultando o acompanhamento do uso dos valores públicos.
A situação se agravou com o volume crescente de recursos destinados por meio desse modelo. Com R$ 4,48 bilhões liberados apenas nos primeiros seis meses de 2024, a baixa taxa de prestação de contas acendeu o alerta de entidades da sociedade civil e de órgãos de controle.
Falta de rastreabilidade compromete fiscalização
O levantamento da Transparência Brasil mostra que somente R$ 627,2 milhões foram aplicados com documentação que permita o rastreio de sua utilização. Isso significa que 86% dos valores seguem sem explicações formais, o que equivale a R$ 3,8 bilhões.
Esse cenário cria brechas para o uso político dos recursos. Como não há exigência de transparência imediata, parlamentares podem direcionar verbas para redutos eleitorais ou para gestores aliados, sem que haja critérios técnicos que justifiquem a destinação.
Segundo a organização, essa opacidade compromete o princípio da eficiência e o controle social sobre os gastos públicos. A situação se torna ainda mais crítica diante da proximidade das eleições municipais de 2024, aumentando a possibilidade de utilização eleitoral dessas verbas.
STF suspendeu modelo anterior e Congresso aprovou nova regra
Diante das crescentes críticas, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, suspendeu em agosto de 2024 o repasse de novas emendas Pix. A decisão atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que apontou a ausência de mecanismos de controle como motivo para a suspensão.
Em março de 2025, o Congresso aprovou uma nova regulamentação para as emendas, com o objetivo de dar maior transparência e permitir o rastreamento dos recursos. No entanto, especialistas apontam que ainda existem lacunas significativas nas regras aprovadas, o que mantém o alerta sobre a possibilidade de uso indevido das verbas.
CGU realiza auditorias, mas controle ainda é limitado
A Controladoria-Geral da União (CGU), responsável pela fiscalização do uso de recursos federais, informou que está conduzindo auditorias específicas para apurar como as verbas das emendas Pix estão sendo utilizadas. O órgão, no entanto, reconhece que a ausência de exigência de planos de trabalho e relatórios prévios dificulta o monitoramento em tempo real.
Organizações como a Transparência Brasil reforçam a importância de medidas mais rígidas de controle, como a exigência de relatórios periódicos, portais de acesso público com dados atualizados e critérios técnicos obrigatórios para a destinação dos recursos.
Verbas públicas precisam de transparência e controle social
O caso das emendas Pix escancara a necessidade urgente de reformar o modelo de distribuição de verbas públicas no Brasil. A combinação de agilidade e ausência de regras claras cria um terreno fértil para práticas clientelistas e desvios de finalidade.
Para evitar que bilhões de reais sejam aplicados sem qualquer prestação de contas, é essencial que o novo marco regulatório, aprovado em 2025, seja aperfeiçoado com participação da sociedade civil, órgãos de controle e especialistas em gestão pública.